“A vida de Júlia Maria da Costa (1844-1911) tem
feição cinematográfica. Não obedece aos padrões vigentes para a mulher
brasileira do século XIX. Inteligente e independente, sucumbe somente ao amor
paixão pelo poeta Benjamin Carvoliva. Essa paixão e o abandono tornam a marca
da poesia de Júlia da Costa. Em seus poemas, verdadeiros lamentos, busca a
razão e o consolo para uma vida tão cheia de solidão. Sem outro horizonte do
que o branco da folha de papel à sua frente ou branco do teclado do piano, duas
atividades de artista, entre as quais se moveu a alva figura de Júlia Maria da
Costa. Escreve e toca. ((2001, p.1) Enlouquece, ao final de sua vida,
permanecendo enclausurada, numa paranoia de perseguição, até a benfazeja morte.
A sua poesia é, no século XIX em Santa
Catarina, uma das mais importantes. (...) Encontra-se na sua poesia uma
tentativa de liberação dos modelos e de rejeição dos valores impostos. (2001, p.20)
os temas da poesia de Júlia da Costa são sempre os da ausência e da perda, da
dor de viver, da angústia ou do desejo da morte, da falta de esperança e da
solidão... (2001, p.22)
“Júlia da Costa, que não pôde alçar-se à
sentimentalidade de Teresa de Jesus, foi poetisa na mais ampla significação do
termo. Ouvi-la é um agri-doce pungir de acerbo espinho, porque nos vem a
saudade envolver em suas delicadas carícias, a nós, míseros contemporâneos do
novo homem das cavernas...” Arnaldo S. Thiago, 1957.”
***
MELANCOLIA
Júlia da Costa (1844-1911)
I
Nunca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudoso chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?
Nunca ouviste, no albor, o doce arrulho
Da rolinha que chora amargurada,
Qual lira dedilhada
Em florido sertão? Ou harpa eólia
Pelo tufão tocada?
Nos arroubos celestes de tu’alma
Nunca ouviste um acorde esvaecido,
Pelas verdes palmeiras ciciando
Perpassar merencório entristecido?
Pois como o som dorido, e o vago arrulho
Da pombinha que chora o seu destino,
Desvairada, sem tino; –
É meu triste pensar sonhando o berço
Em que dormiu menino!
II
E o céu lindo! e a primavera vejo
Sorrir-me tão viçosa e amenizada!
Qual nuvem qu’é levada
No arrebol da manhã fulgente e belo,
De risos enfeitada!
E a natura trajando as brancas vestes
Do modesto noivado; – em mês d’ abril
Como a flor o sorrir-se entre perfumes: –
Os seus braços me estende, tão gentil!
E o mundo remanseia brandamente,
Qual ondinha ligeira vaporosa
Em seu berço de rosa!
Áureo, belo, gentil! seduz, fascina!
Imagem caprichosa!
Mas eu tristonha sou, bem como a estrela
Que sozinha cintila n’alvorada!
A saudade tornou minh’alma um lírio
Que descora de dor na madrugada! p.58-59
ILUSÕES
Júlia da Costa
Em vão te chamo nos murmúrios vagos
Da doce brisa que fugindo vai;
A voz se perde na procela horrível
Que sobre os mares à noitinha cai.
Em vão te chamo! só responde o eco...
Em vão almejo contemplar a ti;
Medonha nuvem de mistérios cheia
Te induz, ai! Sempre a te ausentar de mi’!
Aéreo sonho, mentirosa sombra
D’um sol no ocaso que a gemer tombou,
Em vão te busco nas mescladas nuvens
D’um céu querido que o luar banhou!
Nos rudes tempos d’ um passado estranho
À luz d’ um círio pela dor erguido,
Lampejam inda as ilusões ditosas
D’ um tempo estranho que lá vai sumido!
Assim, ó sombra, na minh’alma vives
Sem cor, nem luz, a divagar perdida...
Em vão te chamo! minha voz se perde
Por este espaço que chamamos vida!
Em vão te chamo! já me falta o alento!
Em vão procuro assemelhar teu canto!
És como a ave que a trinar na rama
Fugindo inspira ressentido pranto.
– És como a ave que na sombra solta
Os seus prelúdios de saudade infinda,
E que fugindo quando a luz se mostra
Os seus cantares sonorosos finda. p.75
DESESPERANÇA
Júlia da Costa
Que céu formoso, que natura esta!
Tantos fulgores vem turbar minh’ alma!
Meu Deus! se a vida é para uns tão calma
Por que p’ ra mim ela é tão negra e mesta!
Em magos risos despertando a aurora
A flor do prado seu aroma exala!
Eu também vejo-a despertar... que fala
Soltarei d’ alma que o passado chora?
A vida é negra! Nenhum astro ameno
Derrama a luz que lhe afugente a treva!
Quero sorrir-me! mas a dor me leva
Do peito aos lábios um saudoso treno!
Vejo floridos para o seu noivado
Os laranjais, e a natureza inteira...
É tudo festa! na mimosa esteira
Da veiga amena, no florente prado...
Mas a esperança que dourou minh’alma
Da minha vida na estação da infância
Agora à tarde, já não tem fragrância
Que possa dar-me ao dessossego calma!
E a natureza tem eterna festa!
Da f’licidade nela vê-se a palma!
Meu Deus! se a vida é para uns tão calma
Por que p’ra mim ela é tão negra e mesta?!
Dos verdes lustros na dourada aurora
Por entre rosas nos sorri a vida!
Mas de meu sonho é a ilusão perdida!
E geme o peito, enquanto a alma chora!
E a lira no laranjal cheiroso
Pendida a um galho se acalenta em prantos!
Ave chorosa dos passados cantos
Nem ouve o eco no vergel formoso!
E a rosa branca do gentil valado
Se às vezes diz-lhe um amoroso voto,
Ela suspira, e no futuro ignoto
Só vê a imagem do cruel passado! p.86-87
FOLHAS DE ROSA
Júlia da Costa
Vi-te em meus sonhos cismadora imagem
Entre roupagens de rosada cor!
Dias de flores ideei na mente
Em ti pensando, solitária flor!
Cresci, minh’ alma se tornou tristonha...
Porém, ainda com teu rosto sonha!
Vinhas tu sempre reclinar-te a medo
Sobre meu leito de donzela crente!
Eras a imagem que ao pulsar do seio
Sentia sempre me afagar contente!
Eras tristonha, cismadora e bela,
De minha vida, e de meu ser estrela!
Nunca um só riso te visei nos lábios,
Tristonha sempre conheci-te em sonhos!
Via-te frouxa ao descair da tarde
Fitando a medo os matagais tristonhos!
Envolta ainda na gentil roupagem
Com que te vira, cismadora imagem!
Desperta... tudo se extinguia triste,
Só via a lua a fulgurar formosa!
Corria os montes, dispersava as aves,
Feria os ecos da mansão saudosa!
Mas não te via... me faltava o alento
Perdido em prantos, e no meu lamento.
Um dia, louca, te julguei na nuvem
Que à tarde vinha me falar de amor!
Julguei que envolta nas roupagens d’ela
Tu me ocultavas teu gentil fulgor,
Amei a nuvem... delirei por ela,
Em ti pensando, de meu ser estrela!
Amei a nuvem... nos meus sonhos belos
Não mais te vi a me acenar contente!
Em lindas tardes te julguei, formosa,
Junto a minh’ alma a me afagar ridente!
Na bela nuvem mentirosa e fria
A minha estrela divinal vivia?
Depois o manto que cobria a esfera
Rasgou-se a meio no azul dos céus!
Busquei-te embalde no lugar da nuvem
Que em branca espuma desdobrava os véus;
Mentira tudo! fabulosa cisma!
A minha estrela era doirado prisma!
Ai que soluções no tristonho canto
Da lira minha desferi então!
Busquei-te em ânsia soluçando hinos,
Vibrando cantos de infantil paixão!
Buscava um’ alma que entendesse a minha!
E busco-a ainda, e o coração definha.
Buscava um’ alma que entendesse a minha
Na terra, ou céus, na imensidade ou nada!
Buscava flores de infantis perfumes
E achava espinhos na escabrosa estrada!
Buscava arpejos de celeste enleio,
E só ouvia o coração no seio.
Deus! que tristezas não carpi sozinha
Ao ver o éter de luzeiros cheio
Mirar-se ufano no azul sereno
Do mar, que arfava com celeste anseio!
E as ondas mansas se enrolando a medo;
E eu sozinha neste mundo tredo!
Ai quantas vezes o arvoredo, a mata,
Eu contemplava com tristonho olhar!
Arbusto, dize, quando o dia surge
Por que te miras n’ amplidão do mar?
Por que não vives como eu sozinha
Sem ter um’ alma que compreenda a minha?
Silêncio tudo! O arvoredo à tarde
Beijava o lago... suspirava o vento!
No rio a lua se espelhava bela;
Só era eterno meu febril lamento!
Só a minh’ alma concentrada, em pranto,
Nada visava que lhe desse encanto!
Silêncio tudo! Pipilava a rola.
Arfava a brisa no palmar virente!
As águas quedas n’ um remanso leve
Um canto erguiam ao viver contente:
Porém da lua palidez tão bela
Minh’ alma em prantos suspirava – estrela!
Silêncio tudo! Nevoeiro denso
Se desdobrava no infinito espaço!
A terra, os montes, a lagoa, a veiga,
Viviam como n’ um fraterno abraço!
Só eu a vida de ilusões despida
Não tinha um’ alma para dar guarida.
Cansada um dia adormeci chorando
No vale ameno de gentis verdores!
Dormi... dormi acalentada em sonhos
Como os da infância, de celestes cores!
Dormi, minh’ alma até então tristonha
Nova alegria, novos risos sonha.
Desperto e vejo-te, encantada imagem,
Visão querida, solitária flor!
Bela e serena como a luz aurora
Envolta em gazes de rosada cor!
Vejo-te linda, cismadora e bela
De minha vida, de meu ser estrela...
E vejo-te, inda, quer na luz, que morre
Por entre as serras d’ uma cor escura!
Quer nos serenos matinais alvores,
Quer, como a estrela, n’ um céu de negrura!
E minha mente que era tão tristonha
Hoje, de novo, com teu rosto sonha!
Porém... é um sonho que talvez se esvaia;
E o que há na vida que perene seja?
Porém... enquanto em minha fronte sinto
Esse sonho gentil, – a mim bafeja
Uma ventura tão suave e meiga
Qual sente ao ver o sol o prado, a veiga. p.92-95
VII
Júlia da Costa
Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
De meu triste castelo que tombou!
Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou.
Olha, eu tenho inda o véu com q’adornei-me,
Tenho a flor com q’ornei-me p’ra te ver!
Vamos juntos formar o nosso ninho
Do favônio gentil ao estremecer.
Tu és loiro e formoso! eu te idolatro
Como a mãe ao filhinho que criou!
Como a rola a floresta que lhe acorda
Uma quadra amorosa que passou!
Vem, meu jovem poeta! – Vamos juntos
Levantar nosso ninho que pendeu!
– Nossos tristes filhinhos nos esperam
Entre o orvalho da rosa que morreu.
As laranjeiras se vestem de mil flores.
Os vagalumes se acendem na espessura
– Vem meu noivo querido! é hoje, é hoje,
Nosso dia de amor e de ventura!
Deixa, deixa esta pálida tristeza,
Nossa casa gentil vamos ornar!
– Plantaremos na porta mil roseiras
Cantaremos, meu anjo, à beira-mar.
Vem, meu jovem poeta! vamos juntos
Levantar nosso ninho que pendeu
– Nossos tristes filhinhos nos esperam
Entre o orvalho da rosa que morreu.
Quero a vida sorver n’um beijo teu,
Quero a mágoa esquecer n’um teu respiro
Quero sonhos doirados da existência
Lá, só lá converter n’um teu suspiro!
Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
De meu triste passado que tombou!
– Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou! p.158-159
(poesia recebida por Carvoliva em 22-11-1874)
UMA FOLHA AO VENTO
Júlia da Costa
A noite é negra – o areal é triste,
A praia imensa, taciturna e só!
Eu vou descalça caminhando à toa,
Me cega o vento, me sufoca o pó!
Queres seguir-me, caminheiro errante?
Eu vou em busca do meu pátrio lar!
Mas tenho medo deste mar de gelo,
Da voz do vento que me faz chorar.
Deixei meu ninho sobre a fralda escura
De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou p’ra o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.
Queres seguir-me? luminosa aurora
Talvez ressurja nesta noite densa!
Talvez perpassem repentinas auras
Pelas areias desta praia imensa.
Talvez à sombra do arvoredo amigo
Por entre redes de cheiroso orvalho,
Possa minh’alma descansar na pátria
Como a avezinha em florido galho.
Deixei meu ninho sobre a fralda escura
De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou p’ra o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.
Avante! as águas remanseiam tristes,
Aragem mansa me bafeja a fronte...
Alva igrejinha entrevejo ao longe
Por entre flores de encantado monte!
E a brisa geme, – <> –
dizendo,
E os sonhos tristes remurmuram lá!
Nota dorida de uma lira amiga
A meus ouvidos silencia já!
A pátria! a pátria! Sonhadora errante
Já vejo luzes no horizonte azul!
Já na minh’ alma desabrocham flores...
Adeus meu ninho... virações do sul!
Foi tudo sonho! A chorar acordo,
Olho e só vejo pelo céu a lua!
Nem as praias brancas, nem aragens meigas,
Só triste a brisa pelo mar flutua! p.195-196
São
Francisco, 12-11-1882
AO ANJO DA MINHA GUARDA
Júlia da Costa
Por que te vejo eu dormente
Como a flor à beira-mar?
Por que não falas, meu anjo,
Que mal te fez meu cantar?
Que mal te fez a andorinha,
Que esvoaça de ti perto?
Que mal te fez a minh’alma
P’rá viver neste deserto?
Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.
O mundo me causa tédio,
Não posso viver, ai não!
Se tu me esperas no céu,
Ouve, ó anjo, esta canção:
Ouve a voz do peito meu,
Que te leva a viração
E de lá desfere um hino
Que ecoe na imensidão.
Por que não falas? que importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?
Eu quero a vida, essa vida
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.
Diz a nuvem do arrebol
Que fulge outra vida lá,
Que o sol, que brilha é prenúncio
De gozos que cá não há.
Quem sabe? minh’alma diz,
Que tu me esperas no céu!
Diz-me do mar a gaivota,
Que é só meu o sonho teu.
Em minhas noites de febre,
Sempre tu a me acenar.
– Não és o anjo das tumbas
Que eu bem sinto o teu olhar...
Não és visão, que eu conheço
Essa face branca e fria,
Esses cabelos doirados
Esse rir, essa harmonia.
És o meu anjo querido
Por quem tanto solucei
E que, perdido uma vez,
Nunca mais o encontrei.
Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua
Se a rosa branca que dei-te,
Inda conserva o frescor
Por que não cantas a rosa
Da doce lua ao palor?
Se a pátria deixada um dia
Inda guarda o berço teu,
Por que da pátria distante
Já não me falas do céu?
Deixaste a pátria sem pena
Sem pena dos prantos meus!
E foste triste, sozinho
Pousar teu berço nos céus.
A noite desdobra o manto
Pia a coruja nos ares...
Mas a gaivota inocente
Ainda paira nos mares...
Oh! dize a ela que vives
Distante dos irmãos teus,
Mas que aguardas a minh’alma
Da noite nos puros véus...
O vento cicia triste
Nas folhas do limoeiro!
Oh! a ele pede que seja
De teus hinos mensageiro!
Por que não falas? qu’importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute? p.241-243
QUEIXAS
Júlia da Costa
Outrora, outrora eu amava a vida
Meiga, florida na estação das flores!
Amava o mundo e trajava as galas
Dos matutinos, virginais amores.
Que sol, que vida, que alvoradas belas
Por entre murtas eu sonhava então,
Quando ao perfume do rosal florido
Da lua eu via o divinal clarão!
Hoje debalde no rumor das festas
Procuro crenças que só tive um dia!
Minh’alma chora e se retrai sozinha,
O pó das lousas a fitar sombria!
Embalde, embalde, o bafejo amado
Da morna brisa minhas faces beija!
Meu peito é frio, como é fria a nuvem
Que em noites claras pelo céu adeja!
Embalde, embalde, no ruído insano
Das doidas festas eu procuro a vida!
Meu corpo verga... meu alento foge...
Sou como a rosa do tufão batida. p.270
UMA PÁGINA AO CORAÇÃO
Júlia da Costa
Não sou poetisa mas minh’alma em dores
Desbrocha em flores ao cair do dia!
Amo o silêncio de um passado longe
Qual ama o monge uma floresta esguia!
Amo a saudade que me infunde o dia
Amo a ardentia do oceano azul
Amo a esperança que me traz a tarde,
Quando o sol arde ao descair do sul!
Amo a lindinha que se mira esquiva
Tão pensativa no azul das águas!
Amo seus olhos, de uma cor escura,
Sua fronte pura sem pesar, sem mágoas!
Amo a natura no bailar da terra
Enquanto a serra tem amor, tem luz!
Amo seu riso, seu trajar esbelto
Seu mar inquieto que a cismar conduz.
Adoro tudo que me chama à vida
Qual flor pendida que procura a luz!
Mas tenho medo dessa noite imensa
Que rouba a crença, que a cismar conduz!
Se triste grita a araponga ao longe,
Se a voz do monge se retrai sombria,
Na voz do mato – ao chorar da fonte
Eu sinto a fronte descair já fria!
A noite, a noite! pesadelo horrível,
Tão terrível que me faz gemer!
Por entre prantos nos vergeis de prata
Ela retrata meu cruel sofrer!
Se ela chega a esperança vai-se.
A crença esvai-se como um vão sonhar!
Dançam as larvas de meu leito à beira.
Foge ligeira a minha fada alvar!
Um eco escuto como a voz funérea
À nota séria do pesado piano
E o meu anjo guardador eu vejo
Em manso adejo perpassar tristonho!
E ele passa... a cabeleira linda
A sombra infinda perfumando vai!
As asas brancas desatadas soam,
Na sombra ecoam farfalhando um ai!
Depois, silêncio, pesadelo horrível,
Tão terrível, que me faz chorar!
A voz do sino – o cair da neve
Na praia leve do calado mar!
.....................................................
Não sou poetisa, mas minh’alma em dores
Desbrocha em flores ao cair do dia!
Amo o silêncio de um passado longe
Qual ama o monge, uma floresta esguia!
Adoro tudo que me chama à vida
Qual flor pendida que procura a luz!
Mas tenho medo dessa noite imensa
Que rouba a crença, que a cismar conduz!
p.271-272
A ROSA BRANCA
Júlia da Costa
Tu eras a flor mimosa
Que em minha vida saudosa
Brilhava com triste luz!
Eras a rosa engraçada,
A pérola de amor achada
No fundo do mar azul!
Eras um sonho dourado
Um trenó de amor vibrado
Nas cordas da natureza!
Eras a flor mais querida
Que em minha vida esquecida
Brilhavas com singeleza.
Mas entre os hinos da festa,
Ao farfalhar da floresta
Te debruçaste no hastil!...
E o vento da triste noite
Roubou-te no duro açoite
Ao teu parnaso gentil!
Se alvo seio acolheu-te,
E calor suave deu-te
Nas sombras da solidão,
Abençoada a procela
Que fez-te, rosa singela,
Fugir do meu coração.
Mas se já murcha, sem vida,
No mundo foste esquecida,
Oh! minha pálida flor.
Maldito seja esse peito
Que à dura maldade afeito
Deu-te morte, em vez de amor! p.274
COSTA, Júlia da.
Poesia. Org. Zahide Lupinacci Muzart. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná,
2001.
Um comentário:
Uma das maiores POETISAS de todos os TEMPOS neste Planeta. Bem ao estilo da famosa Poetisa já contemporânea FLOR BELA ESPANCA. Ambas no Lamento por seus Amores. Poderiam ser conhecidas como: Lamentos dos Amores não correspondidos ou suas TRAIÇÕES.
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