sábado, 5 de abril de 2014

A CANDEIA

Humberto de Campos (1886-1934)


Na furna áspera e fria, onde, à noite, uivam feras,
Aos doutores do mundo abrindo o coração,
Ensina o seu saber, com palavras severas,
Nos confins do deserto, entre eremitas, João.

– “Monge, – diz-lhe um doutor, – que recompensa esperas
Transmitindo, tão franco, a ciência a teu irmão?
Guarda, como um tesouro, as verdades austeras;
Não disperses teu verbo. O teu verbo é o teu pão”.

O eremita sorri e, em vez de responder:
– “A candeia sem luz, traze-a, que é noite, filho;
Nesta, que já acendi, vem a tua acender”.

A candeia acendeu-se, e ficou a brilhar.
E aquela que a acendeu continuou com o seu brilho.
E o eremita, no chão, pôs-se, de novo, a orar...

















CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.391

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