Inês Lacerda Araújo
A filosofia nasceu com filósofos metafísicos,
como os gregos clássicos. A busca desses filósofos, principalmente Platão e
Aristóteles, se dirigiu aos princípios primeiros de todas as coisas, às causas
iniciais e às causas finais, quer dizer, a que se destinam os seres, quais são
suas características essenciais, as propriedades principais que conduzem tudo o
que existe a certo fim. Assim, o ser humano para Aristóteles, por exemplo,
dirige sua conduta por valores éticos e políticos de realização plena. Como?
Por meio do equilíbrio, da justa medida em termos éticos, individuais, e como
cidadão na polis.
Até Kant, a filosofia com raras exceções,
entre elas os filósofos céticos (Hume é um deles), pautou-se pela indagação
"o que é o ser em geral?" e deu a essa indagação uma resposta com
pretensão a ser a verdade final. Tomemos Descartes: o ser é o cognoscível, Deus
inclusive, é nossa inteligência que conclui sobre a existência de um ser
perfeito, e, sendo perfeito, logicamente deve existir. A razão passou a
comandar a metafísica.
Kant desbancou a metafísica desse altar da
razão, não há como saber se nosso conhecimento chega até os seres neles mesmos,
isto é, independentemente do conhecedor. Nosso conhecimento depende de
processos e procedimentos (as categorias), sem eles impossível saber algo do
mundo que nos cerca.
Os ideais Deus, destino final da alma, e a
razão de ser do mundo, questões essencialmente metafísicas, recebem resposta
moral. No recôndito da alma humana há uma relação do homem consigo mesmo
permeada pela consciência do dever moral. Kant eleva o homem à dignidade
máxima, à liberdade máxima que permite decidir desapegadamente, a única e nobre
finalidade é a realização de ações que refletem o que é bom para todos
igualmente.
Pois bem, os filósofos pós-metafísicos vão em
outra direção.
Nietzsche desmonta o edifício moral kantiano,
o imperativo categórico manda que se obedeça a sistemas morais, o que não passa
de uma tirania; não há sequer porque considerar o ser em si, pressuposto dos
metafísicos. "O que chamamos de mundo é o resultado de uma multidão de
erros", e "a coisa em si digna de um riso homérico, ... vazia, vazia
de sentido". Isso porque noções como as de ser, causa final, bem supremo,
noções morais, estéticas, religiosas são todas obra do intelecto humano, da
ação humana, e cabe ao filósofo fazer a história da proveniência desses
valores, todos eles humanos.
No século passado a filosofia se viu diante
de novas questões, como a lógica da ciência para o positivismo lógico, questões
sociais e políticas, a pergunta sobre a liberdade e sobre a existência que se
"historicizou", por assim dizer. As perguntas que mais interessam à
filosofia dizem respeito à compreensão do que fazemos, de nossa história, das
transformações que sofremos, e do que podemos almejar com as condições criadas
por nós. Antes, no século 19, Marx considerou que essas condições são as da
produção material, transformações econômicas respondem à questão "o que
somos, de onde viemos e para onde vamos?".
Ainda na vertente da filosofia alemã, a escola
de Frankfurt atualizou o pensamento da esquerda e foi além da proposta de uma
revolução que devolvesse os meios de produção ao trabalho e não ao capital.
Habermas reafirmou seu pertencimento à
filosofia pós-metafísica. Para ele, sem a linguagem, sem a comunicação não há
ordem social, o pensamento depende da linguagem, e a crise com a questão do ser
em si (qual é a essência fundamental de todas as coisas), é recolocada:
trata-se de um jogo de linguagem. Ou, mais precisamente, um ato de fala, uma
pergunta feita por filósofos interessados na origem de tudo.
Então, tudo se enraíza na linguagem? Sim, mas
evidentemente o mundo não é feito de linguagem e sim de coisas e suas
interações. E como pensaríamos a respeito disso tudo sem a linguagem?
Impossível para a filosofia pós-metafísica.
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