quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

LIRA AMAZÔNICA

JURUÁ
Anísio Mello


Estrada de cristal num engaste de esperança
Aos olhos de um artista, és mar, és paraíso!
Teu leito colossal misterioso avança
E rasga a natureza em forma de sorriso!

Teus lábios virginais contrito na aliança
Do vinho natural que ao mundo é tão preciso
Vão beijando a natura entre a espuma e entre a frança,
Na comunhão mais santa – aroma de narciso.

E o rio qual serpente a se enroscar nervosa
Vai procurando o mar, fazendo sinuosa
E encontra o Solimões, depois o Amazonas!

Logo defronte o mar – Atlântico bravio
Que qual fera voraz devora sem cicio
O esbelto Juruá das auriverdes zonas.


O APUÍ
Antônio Beltrão


Era pequeno, lembras-te? Passamos
Uma vez por aqui. Buscando o espaço
Da sumaumeira esplêndida de ramos
Surgia ele tímido ao regaço.

Era o idílio da morte. Os dois deixamos
Empolgados de amor naquele abraço.
Volvemos hoje, vê: desfez-se o laço
E só o arbusto árvore encontramos.

Que é da outra pujante e hospitaleira
Que a ele tão solícita abrigou?
– Morreu exausta consumida inteira!

– Também eu cego ao teu amor cedi
E essa paixão fatal me dominou
Qual à madeira o pérfido APUÍ...


LUAR AMAZÔNICO
Mavignier de Castro


Verão, Rio em eflúvio. A lua cheia
alonga a perspectiva pela mata,
só a fauna da noite ali vagueia
a sombra errante que o luar dilata...

Álgido, estreito igarapé serpeia
qual sinuosa lâmina de prata...
Que melopeia o urutau-í flauteia
na solidão lunar da terra grata!

Amanhece; mas imitando um rito
sobre a mata flutua um véu de neve...
E o Sol – patena de ouro do Infinito,

espera que no altar da selva nua
o Sacerdote imaterial eleve
a imagem eucarística da lua!


MELLO, Anísio. Lira amazônica: antologia. São Paulo: Correio do Norte, 1965. p.38, 44-45, 46-47

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