segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

POESIAS DE AUREO MELLO

Aureo Macedo Bringel Viveiros de Mello (1924-2015) nasceu em Santo Antônio do Madeira, MT, em 1924, mas viveu boa parte de sua vida no Amazonas. Poeta, advogado, jornalista, pintor e político (ex-deputado e ex-senador). Publicou, entre outros, os livros: Luzes tristes (1945), Claro-escuro (1948), Presença do estudante Inhuc Cambaxirra, As aureonaves (1985), Inspiração (1989), O muito bom sozinho (2000), Como se eu fosse um cantador (1999), Onde está Gepeto?(1999), Heliotrópios adamantinos lácteos: suco de estrelas (2004). (in página de Rogel Samuel)


AMAZÔNICA
Aureo Mello

Nesta laguna azul, que a floresta rodeia,
As garças e os guarás bailam valsas de pluma.
E as ondas matinais vêm-nos ver, uma a uma
E a água Lúcida e suave em tremores se alteia.

Foi na manhã de maio, em claridades cheia.
Que a virgem de nácar – róseo floco de escuma –
Nua como uma flor, entre a inconsútil bruma,
Das ondas de ametista envolvia-se à teia...

Perpassavam no ar mil carícias amenas
Como um brando orquestrar de trêmulas avenas...
...e eis mergulha no azul um mancebo selvagem!

Uma luta... um abraço... os jovens corpos nus
E u’a mancha vermelha, entre as ondas azuis,
Sobe, como um guará morto numa voragem...


CONFIDÊNCIAS
Aureo Mello


Gumes frios do vento ensanguentando a lua
E espectros vegetais na vastidão sombria.
Tu pensando em minhalma, eu pensando na tua
Enquanto recrudesce o trom da ventania.

Há, nesse ruído igual, certa monotonia
Que aplaina a comoção que no teu peito estua.
E a vigília se alonga e se alongando cria
Sonhos em profusão na minha fronte nua...

Depois, na estranha noite, os corações vibrando
Nós dois, pensando em nós, confidências em bando
Saltamos, ao sabor do vento, que as conduz...

E unido à mesma prece o nosso amor descansa
Pedindo a aparição das cores da bonança
Para poder sonhar pelas manhãs de luz...


A TUA AUSÊNCIA
Aureo Mello

Quando tu estás, a manhã se levanta
E o claro sol, o alegre sol, fulgura.
E na tua ausência a vida para. E quanta
Memória vem das horas de ventura!

Se estamos juntos, na tua fronte pura
Pousa o meu beijo e o coração me canta.
Quando te vais, no meu pensar perdura
Dessas horas de amor saudade tanta!

Na tua ausência a luz está parada
O céu perece, e eu vou contando cada
Lembrança linda que o minuto encerra...

Acho que vivo sobre ti suspenso
Como uma nuvem lá no espaço imenso
Pronta a cair em chuvas sobre a terra...


TROVAS
Aureo Mello


1

Eu gosto de estar contigo
De ter-te sempre ao meu lado:
Gosto tanto que, digo,
Ando até desconfiado.

2

Tu sabes o que eu queria
Com todo o meu coração?
Era te ver todo dia
Chovesse ou chovesse não...

3

Tu és tão alta e bonita
Tens um jeito tão faceiro
Que eu digo mesmo, acredita:
Tu és melhor que dinheiro...

4

Se eu fosse escravo, quem sabe?
E contigo acorrentado
Eu jogava fora a chave
Não abria o cadeado.

5

Se um dia eu fosse mendigo
Ou crioulinho pidão
Eu ia logo contigo
Pedir o teu coração...

6

Gosto muito de ter ver
Contente de estar contigo
E se temes me perder
Escuta: Não há perigo.

7

Gosto também de te ouvir
Dizer que me queres bem:
É sempre bom repetir
Manjar que nos sabe bem...

8

Minha doce mineirinha
Flor dos campos de Mutum
A nossa vida inteirinha
Faz de dois corações, um...

9

Moça fina, moça bela
Eu te digo longe ou perto:
A tua vida é singela
Tudo o que fizeres, certo.



AUTOBIOGRÁFICO
Aureo Mello

Eu sou baixinho, mas socado, forte.
Sobre minha cabeça havia carvão
Talvez por isso, como é moda ao Norte
Eu me esquentava por qualquer razão.

E se meus olhos dardejavam morte
Minha boca ejetava o palavrão
E o ofensor era de muita sorte
Se o não pegava um punho de pistão.

Mas de repente o gelo no meu crânio
Cresceu prateado e um fato um tanto estranho
Achou de acontecer então comigo.

As ideias ficaram menos quentes
E eu dei para ter pena dessas gentes
Que me provocam sem ver o perigo... 


MELLO, Aureo. Inspiração: poesias. Brasília: Senado Federal, 1989. p.19, 31, 44. 108-109, 192

Um comentário:

Anônimo disse...

Que beleza ler os escritos do amigo Aureo! Estive em contato com esta cara personalidade durante o ano 1998 e 1999, apos ter eu, participado de um concurso de poesias da Academia Taguatinguense de Legras. Eu e o amigo Aureo nos víamos com frequência para conversar e recitar poemas! Doces lembranças! grande abraço para esta alma acreana!

Soninha do P Sul, Ceilândia.