Djalma Batista (1916-1979)
Vale a pena assinalar, neste final de ano,
que a poesia e a música tiveram uma rentrée auspiciosa em nossa capital.
Nada menos de cinco poetas estrearam em
livro. E quando os poetas falam é preciso escutá-los, porque lhes pertence o
segredo das previsões e por eles bradam os anseios coletivos.
A música, por seu turno, que de há muito se
refugiara na garganta dos uirapurus e dos rouxinóis do rio Negro, ressurgiu
triunfalmente, com o concerto recente do Coral João Gomes Júnior e da Orquestra
Sinfônica do Amazonas, em organização.
Saudemos, quanto merece, o surto artístico,
que representa, de certo, o prenúncio de melhores dias para a vida da
inteligência no Amazonas!
Nunca nos faltaram poetas, e bons poetas,
valendo citar, dos mais novos, Sebastião Norões, Oseas Martins, Áureo Mello,
Djalma Passos e aquele inditoso Paulo Monteiro de Lima. Muitos outros existem,
e aparecem constantemente nos suplementos domingueiros, mostrando que a chama
tem estado sempre viva.
Não tínhamos tido, porém, o lançamento em
livro de tantos quantos os deste ano, iniciando com os voos impressionantes do Pássaro de Cinza, de Farias de Carvalho,
que é um artista inspirado, seguido pelos poemas de Antisthenes Pinto, em Sombra e Asfalto.
O que mais me impressionou foi a floração de
uma autêntica poesia de maturidade, nos livros de Edmundo Canamari; Benjamin
Sanches e Raimundo Ramos Coelho. Amigo dos três, que são todos de minha
geração, não lhes conhecia as tendências poéticas e me regozijei deveras com a
sua revelação, por traduzir aspectos que exaltam mais ainda a personalidade de
cada um deles: Canamari, homem de estudos sérios e bem orientados; Sanches,
industrial e comerciante devotado aos seus labores; Coelho, servidor da
Justiça, fiel ao seu ofício, por uma herança honrosa.
Não seria justo dizer que os poetas estreantes
são grandes e notáveis: não sou crítico literário, e abomino os elogios
gratuitos e imoderados. Não seria justo, também, negar-lhe o mérito,
denunciando esquírolas porventura existentes nos trabalhos divulgados.
Sou um homem sensível à beleza, e pude me
comprazer com enleantes versos de Folhas
d´alma, Argila e Vereda de sonhos, além dos dois volumes a que me referi
anteriormente. Encontrei, neles, momentos de alta poesia, revelando uma
inspiração que me emocionou e comoveu. E não há poesia onde falta a emoção.
Canamari verbera contra o “mundo estranho,
sem flores e sem poesia... de angústia e tirania...”. É o tema social,
preocupação de nossa época. Sanches, ao evocar os Sargaços, fala de “Gosto na mucosa do pensamento, – como saber de
ontem que foi amanhã...”.
Pinto, na sua serenidade, acredita na Mãe eterna: “A mão que sinto – hirta
sustém o mundo”. Coelho, que é legitimamente um passional, celebrando A Chuva,
acha que “as gotas na janela, rutilando – lembram colar de lágrimas caídas –
dos olhos tristes de u´a mulher chorando...”. Farias, na largueza de suas
imagens, considera as mãos de Neruda “como pétalas da rosa branca universal da
paz!”.
Repito: os poetas são precursores. Depois
deles virão os romancistas (onde estão os fixadores da vida na Amazônia, que
não publicam os seus romances?).
Temos tido, na verdade, na literatura
regional, principalmente escritores descritivos e ensaístas. Precisamos
urgentemente dos criadores.
– o –
O que conseguiu, na noite de 23, no Teatro
Amazonas, o maestro Nivaldo Santiago raia pelo milagre. Um grande coral, de
quatro vozes mistas, e conjunto sinfônico, numa terra onde o estudo da música
entrou para os currículos escolares, mas saiu do coração do povo, deram ao
numeroso público que felizmente lá ocorreu a estranha sensação de que algo de
novo e surpreendente estávamos assistindo!
Também não vou cair no louvor desmedido, mas
é impossível calar diante daqueles artistas em potencial, que o maestro
Santiago reuniu, estimulou e disciplinou. Houve números de uma beleza penetrante,
como a Marta, de Moises Simons, que
teve como solista Pedro S. Amorim, acompanhado pelo Coral e pela Orquestra.
A senhora Manoela Araújo tem uma voz
melodiosa e cantou trechos de responsabilidade, com grande sucesso, agradando
de verdade. Duas sopranos, inteiramente desconhecidas como tal, as senhoritas
Francisca Bandeira e Cleomar Feitosa, se revelaram. Sobretudo o conjunto de
vozes e sons foi a grata surpresa da noite que bem poderia ter sido de grande
gala.
Estou certo de que a iniciativa de alto sentido
artístico do maestro já não poderá fenecer. O povo julgou-a e lhe deu a
consagração de suas palmas, que representam compreensão e solidariedade. O
governo, que não é mais que um instrumento do povo, obedecerá à sua imposição,
dando ao Coral e à Orquestra Sinfônica o apoio material de que precisam.
E o sonho de um amazonense idealista, que
estudou na Itália, lutou em São Paulo, deixando tudo pela terra natal, já está
sendo uma autêntica realidade a música, a divina música, que Carlos Gomes
semeou em Belém e Joaquim Franco em Manaus, voltou a fazer parte do espírito da
planície.
- o -
Bendito ano de 1957, que se encerra com
música e poesia!
Artigo escrito por Djalma Batista no final de
1957 (O Jornal, 23 dez.) saudando as
artes. E louvando igualmente os homens e as mulheres que galhardamente as
produziam. (Blog do Coronel Roberto)
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