segunda-feira, 30 de julho de 2018

REZA MILAGROSA PRA CURAR DOR DE DENTE

José de Anchieta Batista

O poder da fé é algo de que não se deve duvidar. Quando Jesus se referiu à fé que transporta montanha, deixou bem claro que nossa mente está muito aquém de sua magnitude, e que quase não é exercitada. Vivemos aqui na Terra sob o poder de regras e leis que a Ciência vai aos poucos descobrindo. A cada passo que ela avança, a cada nova descoberta, avança também nossa estupefação, e sempre nos fazemos mais conscientes de que somos criaturas pequeninas, frágeis, estúpidas, ignorantes e metidas a conhecedoras do que não conhecemos. Diante desta maravilhosa amplidão, em que estamos inseridos, e que é toda preenchida por uma magia indescritível, ignoramos de onde viemos e não sabemos por que estamos aqui. Também nos é vedado saber qual será nosso próximo destino, depois do que chamamos de morte. Em suma, somos um bando de bestas em busca da verdade. E como não a alcançamos, cada uma das bestas inventa a sua versão e se compraz em se iludir. O Homem de Nazaré evidenciou nossa tamanha ignorância e pediu que buscássemos a verdade pois só ela nos libertará. Enquanto isso não acontecer, estaremos rastejantes, buscando forjar verdades particulares. E assim vivemos sob a batuta do que não é verdadeiro.
Dei um toque simples, nas linhas acima, em um assunto muitíssimo sério, para exordiar um “causo” verídico, que agora vou relembrar, e no qual fica evidenciado o poder da fé.
Barbosinha, companheiro de carraspanas e presepadas, em Campina Grande, convidou-me para passar um fim de semana numa fazenda perto do município de Ingá de Bacamarte. Lá moravam parentes de sua namorada, a Cidinha, naquela época estudante do curso de Ciências Econômicas, e com quem se casou algum tempo depois.
Enchemos o tanque do velho fusquinha azul e partimos para mais uma aventura etílica. Uma hora de viagem até Ingá e outra hora até a fazenda. Após o ritual de apresentações aos familiares, fomos agasalhar nossas mochilas num dos quartos do velho casarão, para depois nos dirigirmos a um banho de cacimba, na companhia de alguns primos da Cidinha.
Mais tarde, sentamo-nos ao redor da mesa do alpendre - éramos mais ou menos umas trinta pessoas - para saborear tira-gostos de todo tipo, com acompanhamento de algumas doses de cachaça. Foi quando um garoto trouxe um recado, avisando que o sanfoneiro não poderia vir para a noitada, por conta de uma dor de dente dos diabos. O forrozeiro estava com a cara redonda de tão inchada e o pobre coitado, lá em sua casa, gemia feito um doido e nem sequer conseguia falar. Dessa forma, também o forró da noite do sábado estaria comprometido. Todos se entreolharam decepcionados e externando alguma lamentação.
Naquele momento, lá me vem o Barbosinha com mais uma de suas maquinações.
- Onde é que mora esse sanfoneiro? Amanhã vai ter forró, sim! – sentenciou, pedindo que alguém o acompanhasse até o fusquinha.
- Que é que tu vais fazer, Barbosa? – indagou Cidinha sem entender nada.
- Ora, meu amor, vou rezar nele uma reza forte que meu avô me ensinou, e amanhã ele estará aqui para comandar nosso forró – respondeu, já entrando no carro, fazendo-se acompanhar por um familiar da namorada.
Eu e a Cidinha olhamos um para o outro, mas nem eu nem ela entendemos nada. Intrigado, pensei comigo: “
- Esse fio duma égua já vai aprontar mais uma.
Esperamos ansiosos por seu retorno. Não demorou muito. Foi chegando e desabafando em voz alta:
- Fiz minha parte. Agora depende do santo e da fé dele – falou com força, engolindo uma dose reforçada de pinga.
Todos se entreolharam, sem comentários, como se preferissem aguardar o outro dia.
Evitei externar minhas reais impressões, mas logo depois me aproximei dele e falei baixinho:
- Homem, deixa de ser sem-vergonha, cara! Você tá doido, é? Amanhã vai passar um vexame.
- Eu? Se der errado vou botar a culpa nele mesmo - respondeu-me com tranquilidade.
No outro dia, o forró foi um dos mais animados já acontecidos ali. O sanfoneiro estava sem dor de dente, sem inchaço na cara, e animou o rala-bucho até o sol raiar.
A partir de então, Barbosinha ficou com a fama de grande rezador. Sempre que aparecia por aquelas bandas, era procurado para rezar até contra dor de corno. Com o acontecido, eu mesmo fiquei com minhas dúvidas se não seriam reais os poderes do Barbosinha. Passei, então, a chamá-lo de “curandeiro”.
Certo dia, lá em Campina Grande, exigi a verdade:
- Barbosinha, você é meu amigo e vai me contar agora qual foi a sacanagem que você aprontou com aquela reza no sanfoneiro.
Ele, então, com a cara mais lambida do mundo, se abriu:
- Anchieta, não é pra falar a verdade pra Cidinha, pois ela pensa que sou mesmo o maior rezador do mundo. Até me pede para benzê-la também – disse com uma estridente gargalhada, fazendo uma pausa para tomar mais uma lapada.
Em seguida concluiu:
- Meu amigo, foi meu avô, que era bem mais sacana do que eu, quem me repassou a oração. Naquela noite, repeti umas vinte vezes, com o galho do pinhão roxo na bochecha do sanfoneiro. Escute aí como é poderosa:

É corno quem acredita
Nesta minha reza à toa...
Ô dente filho da puta,
Na boca dessa pessoa,
- Se quiser passar, que passe!
- Se quiser doer que doa!

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