Isaac Melo
Recentemente, por
ocasião da XIII Jornadas Andinas de Literatura Latinoamericana, em Rio
Branco-AC, de 6 a 11 de agosto, a comunidade presente pôde acompanhar o
lançamento da obra “DESENVOLVIMENTISMO NA AMAZÔNIA: a farsa fascinante, a
tragédia facínora” (IFAC, 2018), de autoria de Israel Pereira Dias de Souza,
sociólogo, professor e pesquisador do Instituto Federal do Acre do campus
Cruzeiro do Sul.
O livro, subdividido
em duas partes, perfaz um total de nove textos independentes, embora
persistindo o mesmo fio condutor, a saber, o “desenvolvimentismo”. Uma das
ideias mais controversas e obscuras (nefastas, quiçá) no tocante à Amazônia é,
talvez, a ideia de “desenvolvimento”. Desde que o europeu, a partir dos
primeiros exploradores e das primeiras expedições científicas, tomou
conhecimento da Amazônia, e de todas as suas potencialidades, inclusive, e,
sobretudo, lucrativas, começou uma corrida não só pela posse material da
região, bem como por um esforço de civilizar e amansar a “gleba tumultuária”.
Era preciso ocupar e colonizar o “deserto ocidental”. Era preciso o progresso
para sair da “margem da história” para entrar na marcha da civilização
europeia.
Duas ditaduras
brasileiras se debruçaram sobre a “questão amazônica”, a de Getúlio Vargas e a
de 1964. Ambas queriam resolver o “atraso” da região, integrá-la, desenvolvê-la,
explorá-la a partir de seus potenciais naturais, minerais, vegetais. Sobretudo
a 64, sob a pecha da cobiça internacional, se propôs, a qualquer custo,
integrá-la para não entregá-la. Era preciso trazer para uma terra sem gente a
gente sem terra dos grandes centros brasileiros, que haviam ficado de fora do
progresso. Dessa maneira, o progresso, no dorso de tratores e na pata do boi, rugiu
e mugiu mata adentro. Aos povos indígenas, por exemplo, mais uma vez,
massacrados e escorraçados, coube integrar-se e entregar tudo para não ver
desintegrarem-se definitivamente da história.
Pois bem, o livro
de Israel Souza vai perscrutar e desnudar o que, por detrás da simpática e
benfazeja ideia de desenvolvimento sustentável, de fato se esconde. O desenvolvimento
“sustentado” inicialmente era a ideia de que era preciso desenvolver sem
destruir. Surge a partir do momento, sobretudo na Amazônia, em que a questão
ambiental é levantada, ainda que timidamente, pelos ecologistas e movimentos
sociais. À medida que cresce a consciência ecológica, cresce também a
“consciência capital” acerca do enorme potencial econômico da Amazônia.
A Amazônia sempre
esteve refém dos interesses do capital internacional. É dele que o conceito de
desenvolvimento sustentável deixa as suas origens humildes (movimentos
ecológicos) e passa a ser um conceito do capital internacional, cujo carro
chefe é o Banco Mundial, que passa a influenciar as políticas públicas de desenvolvimento.
Dessa forma, ao longo do livro, o autor demonstra como inúmeras iniciativas (o
MAP, por exemplo) não só reproduzem como legitimam concepções e diretrizes que
orientam a atuação coordenada pelo BID e o Banco Mundo na Amazônia continental.
O que resulta daí é a natureza como um grande produto, a sua mercantilização, a
economia verde. E, sob o selo do desenvolvimento sustentável, a espoliação e
apropriação dos recursos naturais, o desrespeito aos povos locais e a
devastação da natureza.
A partir da década
de 1970, o desenvolvimentismo, à maneira que era praticado, revela os seus
graves problemas. Para o autor, “naquele momento, em que aflorava a
“consciência ambiental”, a saída foi agregar o “sustentável” ao
“desenvolvimento”. Dessa forma, o capitalismo ganhou uma ideologia
poderosíssima, passando a operar encoberto pelo manto da “sustentabilidade””. Nesse
sentido, prossegue Souza, seguido pelo “sustentável”, o “desenvolvimento”
passou a ser encarado não apenas como “ambientalmente correto”, mas como uma
força-projeto capaz de salvar a vida do planeta. Assim, por um toque de mágica,
“o capital já não era a ameaça, e sim a salvação”.
Por fim, a mensagem que se patenteia da reflexão de Israel Souza é a de
que a ideia de “desenvolvimento sustentável” não é senão capitalismo, e a sua
manutenção consiste na manutenção do próprio capital, cujo sistema, por
natureza, gera desequilíbrio nas mais variadas esferas da vida. Nesses termos,
o desenvolvimentismo na Amazônia é uma farsa. A farsa com que o capital tem
seduzido, implantado e solidificado seus interesses a partir do financiamento
de interesses de governos e classes dominantes locais. Dessa forma, para o
autor “o desenvolvimentismo persiste na América Latina como uma ilusão a um só
tempo fascinante e facínora”. E esclarece: “a farsa fica por conta dos de cima.
Enquanto a tragédia pesa sobre os de baixo e sobre a natureza”.
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