segunda-feira, 3 de setembro de 2018

HATUEY

Eduardo Galeano (1940-2015)

Nestas ilhas, nestes humilhadeiros, são muitos os que escolhem sua morte, enforcando-se ou bebendo veneno junto aos seus filhos. Os invasores não podem evitar essa vingança, mas sabem explicá-la: os índios, tão selvagens que pensam que tudo é comum, dirá Oviedo, são gente de natural ociosa e viciosa, e de pouco trabalho... Muitos deles por seu passatempo, se mataram com Peçanha para não trabalhar, e outros se enforcaram com suas próprias mãos.
Hatuey, chefe índio da região da Guahaba, não se suicidou. Em canoa fugiu do Haiti, junto aos seus, e se refugiou nas covas e montes do oriente de Cuba.
Ali apontou uma cesta cheia de ouro e disse:
– Este é o deus dos cristãos. Por causa dele nos perseguem. Por ele morreram nossos pais e nossos irmãos. Bailemos para ele. Se nossa dança o agradar, este deus mandará que não nos maltratem.
É agarrado três meses depois.
É amarrado em um pau.
Antes de acender o fogo que o reduzirá a carvão e cinza, um sacerdote promete-lhe glória e eterno descanso se aceitar batizar-se. Hatuey pergunta:
– Neste céu estão os cristãos?
– Sim.
Hatuey escolhe o inferno e a lenha começa a crepitar.

GALEANO, Eduardo. Memória do fogo, 1: nascimentos. Tradução Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p.83

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