Eduardo Galeano
(1940-2015)
Nestas ilhas,
nestes humilhadeiros, são muitos os que escolhem sua morte, enforcando-se ou
bebendo veneno junto aos seus filhos. Os invasores não podem evitar essa
vingança, mas sabem explicá-la: os índios, tão
selvagens que pensam que tudo é comum, dirá Oviedo, são gente de natural ociosa e viciosa, e de pouco
trabalho... Muitos deles por seu passatempo, se mataram com Peçanha para não
trabalhar, e outros se enforcaram com suas próprias mãos.
Hatuey,
chefe índio da região da Guahaba, não se suicidou. Em canoa fugiu do Haiti,
junto aos seus, e se refugiou nas covas e montes do oriente de Cuba.
Ali
apontou uma cesta cheia de ouro e disse:
–
Este é o deus dos cristãos. Por causa dele nos perseguem. Por ele morreram
nossos pais e nossos irmãos. Bailemos para ele. Se nossa dança o agradar, este
deus mandará que não nos maltratem.
É
agarrado três meses depois.
É
amarrado em um pau.
Antes
de acender o fogo que o reduzirá a carvão e cinza, um sacerdote promete-lhe
glória e eterno descanso se aceitar batizar-se. Hatuey pergunta:
–
Neste céu estão os cristãos?
–
Sim.
Hatuey
escolhe o inferno e a lenha começa a crepitar.
GALEANO, Eduardo. Memória do fogo, 1: nascimentos. Tradução Eric
Nepomuceno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p.83
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