José Augusto de Castro e Costa
Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria não gostava
de americanos e possuía um sentimento de que este povo, em nome da humanidade
aproveitar-se-ia do desespero de qualquer outro, como guardara ele em seu
íntimo, flagrantes da guerra espanhola-cubana, quando os Estados Unidos,
interessados no açúcar cubano trucidaram os soldados espanhóis em retirada pela
costa de San Tiago de Cuba.
Para Dom Luiz Galvez, os americanos se
consideravam os novos cavaleiros andantes e, acima de tudo, tinham muito
dinheiro, o que motivava um espanhol aventureiro a enfrentá-los em quaisquer circunstâncias.
Os brasileiros mais chegados ao seu circulo
de amizade apoiavam o Acre como uma causa brasileira, diferentemente do Governo
Federal, que considerava a região acreana como território das Bolívia.
Em Belém, seus amigos queriam que Dom Galvez
subtraísse do Consulado boliviano o documento relativo ao contrato com os
americanos, o qual, depois de muita relutância, colocando a amizade acima de
qualquer veleidade política, resolveu aceitar o serviço, desobrigando-se de
envolver-se em outros assuntos pertinentes. Até porque, tratando-se de um roubo
efetuado por um estrangeiro, estaria ele sujeito às leis de extradição.
Entre os amigos, porém, encontrava-se uma
filha de Eva, de relacionamento íntimo, por quem Dom Luiz Galvez nutria determinado
fascínio que comumente o levava à concórdia, sentimento que, invariavelmente, o
colocava em algum envolvimento.
Suas amizades em Belém, não só o
influenciaram a tomar posse do secreto dossiê, o que ocorrera na calada de uma
noite em simulado assalto ao Consulado boliviano, como, mais tarde, o estimulariam
a assumir a coordenação providencial de algum movimento concernente à questão
do Acre.
Os termos do aludido documento eram,
textualmente, os seguintes:
“State Department, Foreign Office
Os Estados Unidos da América, por via
diplomática, da República do Brasil, questionarão o reconhecimento dos direitos
da República da Bolívia nos territórios do Acre, Purus e Iaco, hoje ocupados de
acordo com os direitos estabelecidos pelo Tratado de 1867.
Os Estados Unidos da América se comprometem a
facilitar à República da Bolívia o numerário bélico de que esta necessitar em
caso de guerra com o Brasil.
Os Estados Unidos da América exigirão que o
Brasil nomeie dentro do corrente ano uma comissão que, de acordo com a Bolívia,
deslinde as fronteiras definitivas entre o Purus e o Javari.
O Brasil deverá ceder a livre navegação dos
afluentes do rio Amazonas aos barcos de propriedade boliviana, assim como o
livre trânsito pelas alfândegas do Pará e Manaus às mercadorias destinadas aos
portos bolivianos.
Em recompensa aos seus bons ofícios a Bolívia
concederá aos Estados Unidos da América o abatimento de 50% dos direitos da
borracha que saia com destino para qualquer parte da dita nação e este
abatimento durará pelo prazo de 10 anos.
No caso de ter que apelar pela guerra, a
Bolívia denunciará o tratado de 1867, sendo então a linha limítrofe, da Bolívia
a Boca do Acre, e entregará o território restante, isto é, a zona compreendida
entre a Boca do Acre e a atual ocupação, aos Estados Unidos da América em livre
posse.
Washington, 9 de maio de 1898. (SOUZA, Márcio. GALVEZ Imperador do Acre. 17ª
Edição. Pg.54).
Foi, então em Manaus, que levado pela ex-freira
denominada Joana, de quem fora cúmplice partícipe de uma trama, compareceu a uma
reunião, na qual conhecera o Governador do Amazonas, Coronel Ramalho Júnior, e
o ouvira apoiar e oferecer cinquenta mil libras esterlinas a quem se dispusesse
a conquistar o Acre do intruso domínio boliviano, declarar o território independente,
formar um governo e tentar o reconhecimento internacional.
A nacionalidade espanhola de Dom Galvez,
certamente, afastaria qualquer suspeita de participação brasileira na aludida
intervenção, podendo assim, após a efetivação da conquista, solicitar-se a
anexação do Acre ao Brasil. A concordância foi de uma unanimidade solenemente
sonora, com entusiasmado brinde erguido pelo Governador Ramalho Junior.
Dom Luiz Galvez tinha ciência, evidentemente,
até por possuir elevado conhecimento geral, das etapas para a formação
estrutural de um movimento revolucionário, de sua organização e método. Mas
para ele, tudo parecia fadado a ocorrer com rapidez meteórica, a exemplo de
seus relacionamentos, de suas atitudes, de suas opções. Para levar a efeito a
revolução a seu encargo, ele teria apenas trinta dias.
É verdade que, para um movimento
revolucionário, não é levado em conta o tempo para sua preparação. Contudo, é injustificável o menosprezo, a
negligência e, sobretudo, o desprovimento do mínimo de estratégia para o devido
enfrentamento.
Dom Luiz Galvez tinha conhecimento de que, em
Puerto Alonso, iria enfrentar cerca de trinta bolivianos, portadores de
armamento de calibre desprezível.
Imaginou não haver grandes dificuldades em enfrentar tão reduzido e
desarmado contingente. Em assim sendo, recomendou ao seu mais aproximado amigo,
o poeta e jornalista TH VAZ, pseudônimo de Thaumaturgo Vaez, a proceder ao
recrutamento de voluntários, o que justifica da denominação de “Revolução dos
Poetas”.
Sem fazer-se de rogado e sempre pronto para
atender ao amigo, Th Vaz arregimentou uma ardorosa tropa, composta de
estudantes de infinitas repetências, poetas inéditos, advogados trapaceiros, ociosos,
todos irmanados pela incurável insônia dos boêmios.
Contando com o recrutamento de voluntários, ainda
que classificados ironicamente pela inaptidão bélica, Dom Luiz Galvez parte
para o Acre acrescentando à sua tropa revolucionária, grande parte de artistas
de uma companhia lírica de Ópera, que encontrava-se em demorada apresentação no Teatro Amazonas.
A função das artistas estivera concentrada no serviço de informações. Fazia
parte do abastecimento da tropa, evidentemente, inúmeras caixas de cerveja das
marcas São Gonçalo, Munich e Pérola, várias caixas de champanhe, uísque e, para
uso exclusive do Comandante-em-Chefe, Dom Luiz Galvez, uma caixa de xerez.
O governo amazonense houvera fretado o gaiola
“Esperança” para o transporte da tropa mas, também, o colocara à disposição de
uma comitiva boliviana vinda de Belém, que conhecia bem Dom Galvez, e ainda o
procuravam para acerto de contas quanto à publicação do contrato com os
americanos, achando-se entre eles os Cônsules
da Bolívia e dos Estados Unidos. Por
esta razão, a fim de não ser descoberto, o aventureiro espanhol embarcou dentro
de um caixão de defunto, destinado ao seringal Versalhes, propriedade do
Coronel Pedro Paixão, localizado a duas horas de Puerto Alonso. No gaiola o caixão ficara acomodado num
camarote reservado pela viúva, que não era outra senão a ex-freira Joana. A viagem transcorreu sem que a comitiva
boliviana descobrisse a identidade do viajante falecido, não obstante fugaz
intriga quanto a grande movimentação ao camarote da viúva, onde fora posteriormente
contabilizado a ingestão de oito caixas de uísque. O proprietário do seringal
Versalhes, grande amigo do poeta Th Vaz demonstrou imensa satisfação em revê-lo
e em receber as visitas naquele lugar isolado, onde exercia uma liderança
natural e, certamente, viria aderir ao plano revolucionário, colocando às
ordens de Dom Galvez, seus empregados na categoria de praças.
Como considerava ridícula a milícia boliviana,
Dom Galvez debatera o plano de iminente ataque para ser efetivado ao amanhecer
do dia, cercando a Delegacia, onde prenderiam os milicianos, dominariam os
pontos-chaves e imediatamente fariam o comício na praça.
Após a prisão de todos os bolivianos e seus
superiores, inclusive os dois diplomatas, Dom Luiz Galvez apossou-se de Puerto Alonso
e ordenou que o seu Batalhão dos Inconfidentes procedesse à guarda dos
prisioneiros.
Com a população do lugarejo totalmente nas
ruas, foram procedidos o devido arriamento da bandeira boliviana e
imediatamente hasteada a bandeira acreana, confeccionada pela ex-freira e uma
cantora lírica francesa, cujo desenho apresentava dois retângulos, um azul e outro branco, no
qual fulgurava ao meio uma estrela,
representando a esperança dos revolucionários acreanos.
A partir da sensível movimentação de moradores
e revolucionários, ostensivamente, ladeado pelo poeta Th Vaz e o seringalista
Pedro Paixão, doravante nomeados generais, montados em burricos, Dom Luiz
Galvez avançou para o meio da praça, ergueu uma espada que lhe fora colocada em
sua mão e, com golpes no ar, como um Imperador, pontuou as palavras de
conquista:
– “Pátria e Liberdade! Viva o Acre Livre!
Viva a Revolução”!
A seguir foram tomadas as providências para a
organização administrativa da nova soberania, através da elaboração de atos
oficiais, iniciando pela expedição de decretos de nomeação de funcionários para
o exercício de cargos superiores, decretos criando um Orçamento Nacional, ato
oficial criando um Comitê de Salvação Nacional, etc.
Estava criado o Estado Independente do Acre.
Leia aqui a série
* José Augusto de Castro e
Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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