José Augusto de Castro e Costa
Cel. Souza Braga |
Há poucos dias à frente dos destinos do Estado Independente do Acre, o Coronel Antonio de Sousa Braga, demonstrara hesitação em permanecer no propósito a que se dispusera, em razões de interesses comerciais, incentivado que fora por comandantes de navios e outros seringalistas.
A fraqueza e indecisão do Coronel Souza Braga acentuara quando tomara conhecimento de que um grupo de bolivianos, chefiados por Ladislau Ibarra, estaria viajando para Puerto Alonso, acompanhado de uma força naval brasileira, com a disposição de reivindicar o Governo da Bolívia.
A comissão de bolivianos comandada por Ladislau Ibarra chegara a Puerto Alonso e encontrara uma cidade fantasma, uma vez que toda a sua administração encontrava-se no Alto Acre. Subindo o rio até Humaitá Dom Ladislau Ibarra resolve decretar estado de sítio suspendendo todas as garantias constitucionais em toda a região e nomeia-se administrador da alfândega de Puerto Alonso e encarregado da Delegacia Nacional boliviana.
Desacompanhados da força naval brasileira que ficara em Manaus, porém resolvidos a empregar a força, os bolivianos, ao encontrar o navio em que estava o Coronel Sousa Braga, promoveram grande fuzilaria que foi respondida pelos brasileiros, até surgir, quinze minutos depois, uma bandeira branca, denunciando a capitulação dos comandados por Dom Ladislau Ibarra. Registra-se, por assim dizer, o primeiro confronto armado entre brasileiros e bolivianos.
Pressentindo maiores e mais graves embaraços o Coronel Sousa Braga avaliara, por bem, devolver o governo do Acre a Dom Luiz Galvez, fato que deveria ocorrer através de sua renúncia “por motivo de saúde e negócios particulares”, a 30 de janeiro de 1900, um mês após a deposição do espanhol.
Dom Galvez retornara com a mesma disposição, reorganizara seu gabinete, expedira ordens e rapidamente seu Governo realcançara sua força vital. Entre as primeiras providências constaria enviar um representante do Estado do Acre para, junto ao Presidente Campos Sales, expor os motivos que os acreanos alegavam em defesa de sua atitude revolucionária, perante a Bolívia, inclusive dando ciência acerca dos últimos acontecimentos desenrolados naquela região da Amazônia.
As manifestações em Manaus, no entanto, prosseguiam sempre tomando elevadas proporções e graduando a subida da temperatura emocional, não apenas dos ativistas como dos observadores.
Com efeito, o Presidente da República recomendara ao Governador do Amazonas providenciar uma reunião entre todas as autoridades executivas, legislativas e judiciárias locais, com o fim de acertar medidas destinadas a reprimir o movimento separatista do Acre, deixando livre o território para o domínio da Bolívia. Todas as medidas deveriam ser tomadas sem o menor derramamento de sangue.
Com a concordância de todos os participantes, ficara estabelecido que a operação seria levada a efeito através de uma flotilha, constituída de três pequenas lanchas militares mais o vapor “Belém”, fretado pelo Governo do Amazonas, partindo para o Acre, em missão pacificadora, levando 112 militares, entre soldados e oficias. A ordem permaneceria não empregar armas contra os brasileiros que lutavam pela incorporação do Acre ao território nacional. Assim prontificara-se a fazer-se, conforme o plano do Governo Federal.
Segundo registros do governador Ramalho Júnior e do Tenente Burlamaqui, da Marinha brasileira, os expedicionários seguiram para Puerto Alonso, ali chegando na mais perfeita tranquilidade, sendo o oficial imediatamente recebido pelo Presidente Galvez, para transmitir-lhe o objetivo de sua missão.
Segundo versões do próprio militar, Dom Luiz Galvez ouvira silenciosamente as palavras do comandante da operação para, em seguida, diplomaticamente, expor os motivos da sua revolução, argumentar o que já houvera manifestado e proclamado, salientar sua obediência à intimação do Presidente da República e, finalmente, perguntar sobre quais as garantias que o governo ofereceria ao grande número de brasileiros envolvidos naquela insurreição, da qual considerava-se o único responsável. Ali deixara prédios, materiais, mercadorias, armas e munições, frutos do esforço de cada acreano, muitos inclusive de nascimento. Lembrara Dom Galvez que os habitantes da região acreana almejavam ser brasileiros e o Brasil não deveria ignorá-los, obrigando-os a reconhecerem outra pátria, outros costumes, outra língua, outra honra.
Em seguida retirara-se para dar ciência dos fatos a seu secretariado e demais colaboradores e pedir a manifestação particular a respeito de sua deposição, tendo todos aprovado sua atitude.
Estabelecidas as bases de sua rendição em face da concordância das argumentações apresentadas aos militares brasileiros, Dom Luiz Galvez elaborara uma carta ao Tenente Armando Burlamaqui, na qual, considerando os intuitos do Governo Federal em respeitar o acordo com a Bolívia, resolve depor suas armas e entregá-las ao Comandante da Flotilha do Amazonas e Chefe das Forças Brasileiras em Expedição.
Há controvérsias sobre a rendição do espanhol, segundo suas memórias.
Dom Galvez, deposto e prisioneiro sob palavra, passara a observar, calmamente o desenrolar dos acontecimentos, enquanto aguardava o dia da partida. A um repórter do jornal “A Província do Pará” que encontrava-se presente, como passageiro do vapor “Belém”, fora fazendo suas confidências... diversa das que faria 45 anos depois.
O repórter do jornal paraense constatara que a administração de Galvez apresentara proveito para Puerto Alonso, transformada que fora em bela e asseada, com casas bem construídas. Por extensão o referido jornalista considerara que o contingente armado, sob as ordens de Galvez, importaria em 800 unidades, munidos de fuzis, rifles e espingardas. Destacara, ainda, que Puerto Alonso possuíra um estoque de gêneros alimentícios satisfatório para o consumo durante dois meses, além de uma farmácia bem abastecida.
Já o Tenente Armando Burlamaqui, em suas recordações, registra, textualmente, que “é desolador o momento, e o quadro se grava indelével em nosso espírito, como que se sempre estivesse em frente de nossa vista uma palheta viva da cena”.
A deposição de Dom Luiz Galvez ainda guarda pontos controvertidos, que jamais serão devidamente esclarecidos.
Sabe-se que, afinal, demonstrando uma vez mais seu apreço pelo espanhol, o governador Ramalho Junior proporcionou-lhe meios pecuniários, de maneira que pudesse regressar à sua pátria natal.
De volta a Cadiz, aos 86 anos de idade, 45 outonos depois, o velho aventureiro decidira escrever suas memórias, certamente recheadas de exageradas utopias e algumas tolices, tais como foram seus primeiros quarenta anos de existência.
Antes, porém, ao agradecer ao governador Ramalho Junior, em carta procedente de Recife, Dom Luiz Galvez despedira-se, satisfeito por entregar a região acreana ao Brasil, seu país por adoção, e, textualmente, “levando no coração felizes recordações e tranquilidade por jamais entregar o Acre à nossa natural inimiga, a República da Bolívia”.
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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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