segunda-feira, 21 de julho de 2014

AS TRÊS COROAS

Guilherme de Almeida (1890-1969)

[...] o seu dono era rei e era santo [...]
Álvaro Moreyra


Na sala do museu,
as três coroas conversavam. Uma,
a que era de ouro, disse às outras: – “Eu
fui de um rei. E curvei meu rei como uma pluma
ao peso bom das minhas joias tutelares.
Tive um reino a meus pés, com soldados e teares,
e torres brancas e altas como luas,
e searas mais maduras,
mais loiras do que o sol, e navios enormes
como os templos de Deus e os palácios dos homens...
Fui tudo: rica, poderosa, bela...
Tive um rei a meus pés e um céu sobre nós dois...
Depois,
Pesei demais para a cabeça velha
do meu rei – e Caí.
E puseram-me aqui!”

A segunda coroa,
a de louros, falou: – “Eu nasci na Grécia.
Eu fui o gesto verde que abençoa!
E, inatingível como uma promessa,
gesticulei na ponta
viva do meu loureiro,
chamando os poetas e os heróis do mundo inteiro.
Junto a mim, sob a copa alta e redonda,
eles cantaram e lutaram,
estenderam-me os braços – e passaram!
O amor passou também com frautas e com danças.
com uvas nos chavelhos,
ou com rosas nas tranças,
oferecendo a boca e abrindo os joelhos,
ou tatuando na pele do meu tronco
a data de um encontro,
a data de um adeus...
E o amor ergueu também seus braços para os meus!
Nem sei qual foi a mão
que me colheu, porque logo murchei...”

Então,
a terceira coroa, a coroa de espinhos,
disse às outras: – “Eu fui uma urze dos caminhos.
Vivi só, sempre só,
escondendo venenos sob o pó.
Mas, um dia, enrolaram-me à cabeça
de um homem que era branco como um louco,
e belo, e bom como a tristeza,
e puro como o fogo...
E sofrendo, e sofrendo,
ele morreu comigo. Então fiquei sabendo
que eu valia tesouros e tesouros,
mais que as coroas de ouro e as coroas de louros:
– porque eu coroei os reis e os heróis, eu coroei
todos os homens... E ainda não murchei!”


ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso, Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.112-113

4 comentários:

Unknown disse...

Amo essa poesia. Sempre a declamei mas nunca a vi escrita. Por isso agradeço pois farei algumas correções. Poucas, mas necessárias. Obrigada. Minha nota é 10.

Unknown disse...

Amo essa poesia.

Claudia Ferraz S. Brockhof disse...

Onde vou me pedem para declamar essa poesia. Guilherme de Almeida realmente é o príncipe dos poetas. Soube em suas poesias dizer com emoção, rimas e clareza a realidade das coisas. Sou fã

José Augusto Ferraz Silva disse...

Como bem escrito e lembrado por minha prima Cláudia Ferraz essa poesia realmente mexe com nossa alma em todos os sentidos.
Parabéns Cláudia por ainda recordar essa poesia que Maria Sylvia Ferraz Silva declamava maneira impar
Dia 07 de abril é seu aniversário de nascimento. Saudades eternas.