Em Pringles, o doutor Isidro Lozano me contou
a história. fez isso com tal economia que compreendi que já o fizera antes,
como era previsível, muitas vezes; acrescentar ou alterar um pormenor seria um
pecado literário.
O fato aconteceu aqui, em mil novecentos e vinte
e tantos. Eu tinha voltado de Buenos Aires
com meu
diploma. Certa noite, mandaram me chamar, do
hospital.
Levantei-me de mau humor, vesti-me e
atravessei a praça
deserta. Na sala de espera, o doutor Eudoro
Ribera me
disse que um dos malfeitores do comitê,
Clemente Garay,
tinha sido trazido com uma punhalada no
ventre. Nós
e examinamos; agora estou endurecido, mas na
época
mexeu comigo ver um homem com os intestinos
de fora.
Estava com os olhos fechados e a respiração
era difícil.
O doutor Ribera me disse:
– Não há mais nada a fazer, meu jovem colega.
Vamos deixar que este porqueira morra.
Respondi-lhe que tinha me arrastado até ali
depois
das duas da manhã e que faria o possível para
salvá-lo.
Ribera deu de ombros; lavei os intestinos,
coloquei-os no
lugar e costurei o ferimento. Não ouvi uma
única queixa.
No dia seguinte voltei. O homem não havia
morrido;
Olhou-me, apertou minha mão e disse:
– Para o senhor, obrigado, e meu cbo de prata
para Ribera.
Quando deram alta a Garay, Ribera já partira
para
Buenos Aires.
Desde essa data, todos os anos recebi um
cordeirinho
no dia de meu aniversário. Por volta dos 40 o
presente
cessou. BORGES, Jorge Luis. Poesia. Tradução Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.136-137
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