Potes, latas d´água,
Vento na poeira
Cantando, brincando,
Levantando a saia
Da moça faceira.
Na manhã alegre,
A criançada é alegre,
A pobreza é alegre,
Tudo é alegria!
Vento na poeira
Cantando, brincando,
Levantando a saia
Da moça faceira.
Na manhã alegre,
A criançada é alegre,
A pobreza é alegre,
Tudo é alegria!
Para quem sai do Acre até ao
Ceará, da maneira que fizemos, nada melhor que dar uma paradinha no Maranhão,
para despedir-se da Amazônia. O Maranhão reúne um emaranhado de ecossistemas,
dentre eles a floresta amazônica, o que favorece a abundância de babaçu, juçara
(açaí) e bacaba. Traz recordação do Acre, que já ficou muito lá atrás. Mas o
Maranhão também é terra de meus antepassados.
Não há
tempo pra chorar...
E não há nada mesmo a reclamar
Quando a gente vê
O esplendor do dia.
Crianças tostadas,
Correm, pulam e cantam,
Fazendo zoeira.
E não há nada mesmo a reclamar
Quando a gente vê
O esplendor do dia.
Crianças tostadas,
Correm, pulam e cantam,
Fazendo zoeira.
Meu avô paterno era
maranhense. Não me recordo se algum dia meu pai falou sobre ele, a não ser para
dizer que ele era do Estado do Maranhão. Depois eu li na certidão de nascimento
do meu pai, que meu avô se chamava João Magalhães de Almeida. Quando fui pela
primeira vez a São Luis, em 1995, vi o sobrenome do meu avô, na identificação
de um ônibus urbano, no itinerário constava, Avenida Magalhães de Almeida. Em
2015 descobri que também existe um município com o sobrenome dele. Imagino que não seja em função dele ou de
algum parente próximo, mas apenas imagino, pois nada sei sobre ele. Muitas
vezes ao longo da vida esqueci os nomes dos meus dois avôs, isso é muito
estranho, talvez seja pelo fato de eu não os ter conhecido… Será que justifica?
E a água
do poço
Secando, secando,
Deixando irritadas
As mães faladeiras
Que gritam e ameaçam
com as cordas dos baldes:
- Vem pra cá, menino,
Não seja teimoso!
Olha que eu te bato,
Grande preguiçoso!
Enche logo o pote
Que o tempo tem asa,
E urge roncando...
Secando, secando,
Deixando irritadas
As mães faladeiras
Que gritam e ameaçam
com as cordas dos baldes:
- Vem pra cá, menino,
Não seja teimoso!
Olha que eu te bato,
Grande preguiçoso!
Enche logo o pote
Que o tempo tem asa,
E urge roncando...
Mas vamos logo ao real
motivo que nos fez parar em São Luis, que não foi nem pelo avô e nem pelas
frutas, senão para visitar a Gracilene Pinto, a nossa Grace do Maranhão, e sem
que pudéssemos prever, passamos com ela três dias, em intenso sarau, com muita
poesia, músicas, leituras de nossos poemas e de outros autores. Mas a maior
parte do tempo foi dedicada às leituras das obras de Grace, feita pela autora,
que abriu muitos arquivos de seu computador, para compartilhar conosco a
riqueza de seus escritos ainda não publicados, mas que precisam ser mostrados
ao mundo, o quanto antes.
É o
estômago avisando
Que é hora do almoço.
- Virgem Nossa Senhora!
Marido chegando
E eu inda no poço,
Aqui com a comadre,
falando besteiras.
Cuida, minha filha!
Põe logo a rodilha,
Que eu te ajudo com a lata.
Que é hora do almoço.
- Virgem Nossa Senhora!
Marido chegando
E eu inda no poço,
Aqui com a comadre,
falando besteiras.
Cuida, minha filha!
Põe logo a rodilha,
Que eu te ajudo com a lata.
A extensa produção literária
da escritora maranhense Gracilene Pinto foi uma surpresa. Mulher de expressão
alegre e sorriso largo, que ao abrir a porta de sua casa para nós, disse –
sejam muito bem vindos! Eu senti tanta verdade naquela acolhida, que embora,
nunca tivesse antes, trocado com ela, uma única palavra, não tive dúvida que
pisava um “território” seguro. Ali nasceu a oportunidade e motivação para
muitas trocas poéticas que têm me estimulado na escrita. De lá para cá, já
foram tantas palavras trocadas entre nós, que não poderíamos contar, assim como
já demos boas risadas juntas.
Cuida, meu
menino!
Que trabalho não mata,
Só ensina o individuo
A não ser marginal,
A construir seu destino
Fugindo do mal.
Vam´bora pra casa
Fazer o de cumê
Que a barriga sustente
Pra sobreviver.
Que trabalho não mata,
Só ensina o individuo
A não ser marginal,
A construir seu destino
Fugindo do mal.
Vam´bora pra casa
Fazer o de cumê
Que a barriga sustente
Pra sobreviver.
A conversa iniciava no café
da manhã e sem intervalo, as tertúlias seguiam até a hora do almoço. Mas tinha
uma hora que o corpo cansava, já era noite, as horas de sono eram apropriadas
aos sonhos de Grace, que tem motivado muitas das suas obras. São viagens
noturnas, nos braços de Morfeu que atravessa o Atlântico, para buscar em outros
países histórias que alimentam a criatividade literária da escritora. Ela literalmente
faz dos sonhos realidade, transforma-os em livros.
E o sol lá de cima,
Brilhando no azul,
Aumenta o esplendor
Para terra alegrar.
Como um anjinho louro,
Aos pobres infantes
Estende seus raios
Para abençoar.
Brilhando no azul,
Aumenta o esplendor
Para terra alegrar.
Como um anjinho louro,
Aos pobres infantes
Estende seus raios
Para abençoar.
Foi o espírito poético,
extramente jovial e a acolhida de Grace, que nos laçou de modo que, se não
conhecemos São Luis, de outras passagens por lá, não teríamos conhecido a
cidade, pois ficamos os três a poetar incessantemente por três dias, antes de
nos lançarmos aos Lençóis maranhenses. Se por acaso, aquele tratamento tão
amoroso deixasse alguma dúvida, seria dissipada quando Grace fez letrinhas de
biscoito, com as iniciais de nossos nomes, “E” de Eliana e “M” de Mané do Café,
meu companheiro Jorge, que já conhecia Gracilene pela internet. Como não era
possível guardar os biscoitos, comemos com gosto, não sobrou migalhas, mas a
imagem das letras, sob as mãos da poetisa ficará para a posteridade.
Biscoitos de Letrinhas feitos por
Gracilene Pinto
Fonte: Oliveira de Castela, 2015
|
O poema distribuído ao longo
deste capítulo, intercalando cada parágrafo é intitulado Retalhos da Infância, de autoria de Gracilene Pinto. Embora o poema no seu original não esteja escrito
em estrofes, esta forma foi a licença poética que recorri, para representar
aqui, os dias que passamos com Grace, quando qualquer outro assunto entremeava
os poemas, sem que se perdesse a harmonia dos versos e nem a sequência dos
assuntos. Sugiro aos leitores que voltem ao início deste capítulo para reler o
poema inteiro e sem interrupções, como é o original. Qualquer pessoa que viveu
sua infância na Amazônia ou no Nordeste irá se encontrar em cada verso.
Vento
que faz dunas e molda pensamentos
Depois da casa da Grace,
continuar no Estado do Maranhão objetivava conhecer o Parque Nacional dos
Lençóis Maranhenses. Em meio à beleza das dunas e das lagoas, surgem muitas
reflexões sobre a atividade turística e a população do entorno do Parque. Não
se pode perder de vista as contradições, entre a prática da atividade turística
e os impactos negativos que afetam o ambiente e as populações. Pois em meio aos
problemas, pode-se ao mesmo tempo encontrar no turismo uma saída econômica, num
local onde a oferta de emprego e renda é inexistente. Como essa conciliação
será possível, é a questão.
Para sair de São Luis até
Santo Amaro é necessário dois tipos de transportes, primeiro uma van, no trecho
em que a estrada é asfaltada, até chegar à comunidade denominada “Sangue”, quando então é necessário tomar um
transporte apropriado, com tração nas quatro rodas. Neste trecho a estrada é de
areia, com pequenas dunas e o veículo serpenteia entre casas, vegetação, dunas,
animais, e outras coisas. Os passageiros são sacolejados e precisam segurar
firme para não saltar do carro. É uma estrada que requer conhecimento do
trajeto e habilidade na direção do veículo.
Acesso ao Parque Nacional dos Lençóis
Maranhenses Fonte: Oliveira de Castela, 2015 |
Um ambiente com elevado
potencial turístico como é o Parque dos Lençóis Maranhenses, tende a se promover
melhorias para o acesso. Conforme nos informaram, já está prevista a
pavimentação da estrada para Santo Amaro. Tais investimentos trazem mudanças. É
preciso discutir o tema de manutenção de tradição e a inserção da modernidade
local. Cabe perguntar como se faz essa discussão, numa região como o Nordeste
brasileiro, que abriga a miséria como tradição? É algo complexo, corre-se o
risco de cometer inúmeros equívocos, frente às contradições existentes.
Dunas e Lagoas, no Parque Nacional dos
Lençóis Maranhenses Fonte: Oliveira de Castela, 2015 |
Outro questionamento é, até
que ponto a pavimentação da estrada contribuirá para a redução ou o fim da
miséria? Historicamente o que constatamos é que, após a melhoria de acesso, não
só no meio rural, a população local é retirada, frente à valorização
imobiliária das terras que antes era de pequenos produtores e que passam então,
a ser ocupadas por empreendimentos do capital privado.
Como conciliar a manutenção
do que há de bom na tradição, se na visão de quem é de fora ou das políticas
desenvolvimentistas é completamente diferente do que pensa quem mora lá? Como é
o caso de um senhor que viajou parte do trajeto conosco. E outras questões
ficaram a “borbulhar”, querendo encontrar solução.
A paisagem ao longo da estrada e até mesmo
quando se chega ao centro de Santo Amaro, em minha opinião, remete-se a um
passado distante. Estão ali cabritos e bois soltos pastando, tanto na estrada,
como na praça. Assim como as casinhas de taipa cobertas de palha, algumas
cercadas de forma precária, com finos pedaços de madeira é uma paisagem
semelhante a descrita pelos escritores que falam do Nordeste, que li quando eu
era adolescente, há mais de quarenta anos. Tudo bem que a paisagem conserve
aspectos do meio rural, onde as mudanças ocorrem mais lentamente, mas mesmo no
que seria urbano, como o centro da cidade, as condições não são muito
diferentes. Aquele todo me agrada. Por que teria que ser diferente?
Casa na estrada de acesso aos
Lençóis MaranhenseS
Fonte: Oliveira de Castela, 2015 |
Embora passados muitos anos,
de quando comecei a ler sobre a pobreza do Nordeste e em meio às mudanças
ocorridas em função dos avanços da ciência e da tecnologia, percebe-se que os
benefícios dos avanços são irregulares e seletivos. Fato que não ocorre apenas
entre as regiões do país, mas também dentro de um mesmo Estado.
Os investimentos não vão ao
encontro dos interesses das populações de todos os locais. Basta comparar as
mudanças ocorridas nas cidades litorâneas, com as ocorridas nas cidades do
sertão, neste, algumas características de mais de cinquenta anos atrás estão
conservadas. Diferente da minha impressão, a paisagem não faz parte do passado,
está ali diante dos meus olhos, composta por pessoas, algumas idosas com o
olhar vazio ou crianças que parecem quietas. Todo o conjunto sugere uma
letargia ou alheamento a um mundo mais moderno.
Animais pastando, no centro de Santo Amaro -
MA
Fonte: Oliveira de Castela, 2015 |
A nossa ignorância vê a
paisagem e quer pensar a reaidade mas ela é apenas a cortina que oculta
verdades. Por alguns momentos chega-se a desejar que aquilo tudo fique como
está, porque assim será o “meu refúgio” de um mundo urbano agitado, insone, sem
calma e com medo. Mas esse desejo é facilmente contestado por quem é de lá e
sabe que fora dali existem outras oportunidades.
Quando fiz uma manifestação
mínima de satisfação por aquele ambiente diferente, o senhor que viajava
conosco, que me referi acima, trouxe ao debate a realidade de quem mora ali,
isolado, com transporte caro e escasso, com as filhas que precisam dar
continuidade aos estudos e têm que morar em outro lugar, para cursar o ensino
médio, entre outras situações.
Aquele senhor arrancou-me da
“zona de conforto” que eu me encontrava. Fazer aquela viagem a passeio é muito
diferente do cotidiano dos que precisam transportar seus produtos e ter o lucro
que já é pouco, ainda mais reduzido pelo preço do transporte, como observamos
na negociação que outros passageiros faziam antes de tomar a condução, só para
citar um exemplo. As ideias ficam como a areia ao vento, moldando e desfazendo
dunas, frente às contradições.
Na entrada do centro de
Santo Amaro, as águas do rio Alegre iluminadas pelo dourado pôr do sol, deu as
boas vindas para nós que chegávamos àquele lugarzinho de poucos comércios, que
na maioria não aceitam cartões de crédito e débito, onde algumas ruas cobertas
de areia são intrafegáveis por carros, e estes são bem poucos naquele lugar,
onde se pode andar à noite, no escuro e sem medo de sofrer qualquer ato de
violência. Santo Amaro não é o único caminho para visitar os Lençóis, existe
outro acesso, ou talvez outros, com estrada pavimentada e cidade com maior
infraestrutura, mas esse não é o nosso caminho.
Leiam
aqui as crônicas anteriores:
-
Primeira: O início é no Cai N’Água
-
Segunda: Capitais da borracha
-
Terceira: A “Pérola do Tapajós”
- Quarta:
Uma noite de medos e macacos
- Quinta: Infâncias roubadas na Amazônia
Leiam aqui as crônicas anteriores:
- Terceira: A “Pérola do Tapajós”
- Quarta: Uma noite de medos e macacos
- Quinta: Infâncias roubadas na Amazônia
3 comentários:
... E aqui vamos nós, agora pelos idos do Maranhão... Muita Poesia e o questionamento: "Modernizar e entregar ao dinheiro ou preservar e parar de dizer para aquela gente que eles não precisam de asfalto, assalto nem de salto alto. Precisam sim é viver em paz"! Excelente Eliana!
~ * ~
Ótima narrativa! Boas reflexões. Belas paisagens! Contradições. Brasil
Eliana, as paisagens do passado entram sempre em conflito com o progresso. Não há como evitá-lo. Só os utópicos e os poetas têm a capacidade de não ver a fealdade dos tempos modernos. Essa vossa viagem continua a 'descobrir' um Brasil, absolutamente, real. Parabéns!
Reinaldo
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