Leila Jalul
Cemitério é coisa
mórbida. Os mais modernos, nem tanto. O dos Israelitas, em São Paulo, mais
parece um jardim. Na minha ideia, é como no céu. Tudo planinho, com pequenas
placas, lugar para sentar, flores bem cuidadas, deve ser como no Éden. Agora,
cemitério feio, com sepulturas abandonadas, covas rasas e recentes, afundadas,
é um terror.
Mas a reverência
aos entes que já partiram é dever cristão.
Hoje, por uma
questão de escolha pessoal, reverencio meus mortos ouvindo música. Não acendo
velas, nem deposito flores. Minha reza é só no pensamento. Minha homenagem faço
com músicas: músicas alegres, de preferência.
Laura e Benedito
Maia
Foto: trupemaia.blogspot.com
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Não vim aqui falar
de mortos. Vim para dizer de Seu Benedito e Dona Laura. E de Milton Maia, um de
seus muitos filhos. Os outros eram Esterzinha, Alan Kardeck, Dr. Mário Maia,
Seu Tancredo, Edevar, Áurea e Zilma. De todos, creio que somente a Dona Áurea e
Dona Zilma ainda respiram poluição. Os outros já se foram. Oito criaturas, oito
mil diferenças. E muitos descendentes, com outras tantas mil diferenças.
De todos, o Milton
era o mais expansivo. Uma semelhança incrível com o Salvador Dali, inclusive no
jeito de ser. Meio escrachado, falante, creio que nunca coloriu uma tela,
porém, pintava o sete e bordava o oito!
Chovesse, fizesse
sol, todos os dias de finados, estava ele, desde muito cedo da manhã até o fim
do dia, à beira do túmulo de Dona Laura e Seu Benedito, cantando velhas valsas,
velhos boleros de Dom Pedrito de Las Américas e antigas baladas. Isso me
espantava. Normalmente e de praxe, deveria existir um ar de tristeza, velas,
flores e uns terços desfiados ligeirinho para acabar logo. Ele não. Não tinha
pressa. As contas do terço eram sempre em lá maior e lá menor.
Outro dia,
lembrei-me do Seu Milton e perguntei para minha mãe a razão daquela doideira.
– Minha filha, era
o amor que ele tinha pelos pais. A Laura e o Benedito criaram esses filhos
vendendo aluá de raiz de pega-pinto. Todos os dias, muito cedo, ele passava com
as panelas de aluá para vender no mercado. Era muito gostoso. Com cravo, gengibre,
gramixó e amor, ele vendia tudo. Com isso, alegria e paciência, criou os
meninos e ainda fez médico o Mário, fez professora a Ester, e os outros, se não
doutores, fez de bom caráter. Todos bons pais e mães. Você os conheceu bem.
– Entendi, mãe.
Obrigada pela informação.
Agora sei de tudo,
mas fiquei sem saber o que é a raiz de pega-pinto.
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