Quem não lembra do
Mercado Velho antes de ser transformado no Novo Mercado Velho? Nas décadas de
80 e 90 havia ali uma vida muito doida, de encontros e desencontros, território
livre para todo tipo de gente. Na Praça da Bandeira, entrada para os vários
becos do local, os vendedores infernizavam a vida dos transeuntes oferecendo
todo tipo de mercadoria. Um ambiente ideal para curar qualquer tipo de
depressão. Nos corredores as pessoas eram puxadas pelo braço para alguma
compra. Mesmo se não comprasse nada, a conversa evoluía.
Poucos metros mais
a frente já se sentia o cheiro saído das panelas das inúmeras pensões que
serviam comidas e dos botecos sempre cheios de homens vazios. Era nesse mundo
surreal que muitos se perdiam na vida pelo alcoolismo, problemas amorosos,
desemprego ou pura vadiagem mesmo. Naquele antro boêmio, não havia
discriminação, ideologia, pecados ou pecadores. Havia sim, de tudo um pouco,
alegria, sofrimento, sonhos e decepções. Mesmo cada um no seu quadrado, tudo e
todos se misturavam como numa pintura de Dali.
Sem preconceitos
Aos sábados o
movimento aumentava quando profissionais liberais como jornalistas,
ribeirinhos, pescadores, caçadores e tantos outros mentirosos, enchiam as
pequenas pensões para comer um peixe frito, tomar uma cerveja e olhar as águas
barrentas do rio Acre descerem lentamente em curso certo, num destino incerto
rumo ao mar. Sem pressa para a vida, ficar ali parado no tempo era o tempo
necessário para a chegada do fim do dia.
Assim vivíamos nas
tardes de sábados. Nesse pequeno mundo não existia o senso do imediato, a ideia
de dissolução, de irresponsabilidade, de vícios, da embriaguez consciente, do
ócio, de uma ressaca mal curada. Não havia rótulos para indivíduos
irresponsáveis ou pessoas sem regras ou disciplina. A boa conversa se misturava
com passeios imaginários de homens, ratos, bêbados, mulheres de vida fácil,
evangélicos e afins. Nada a declarar naquele pequeno espaço de tempo, apenas
sentir o cheiro da fumaça do tabaco ao lado e a visão de sombras que passam
para lugar nenhum.
Sexo animal
Num certo dia, ao
observar o caminho do rio, um amigo começou a sorrir desesperadamente ao ouvir
o som de um violão apaixonado de um boêmio que se sentara ao nosso lado. Achei
legal, pois na minha concepção o sorriso é a curva mais bonita que alguém
precisa ter. Pensei com meus botões de que ele estaria sorrindo de felicidade,
por não ter tantos problemas corriqueiros. O mundo seria bem mais alegre se
todos que o habitam fizessem a mesmo, desse mais lugar para felicidade do que
para a tristeza.
Mas para o meu
espanto, meu amigo com os olhos arregalados, apontava para uma pequena ilha de
areia que se formara entre as duas pontes, dizendo haver dois seres mágicos
reluzentes fazendo amor em plena luz do dia. Esmiucei o olhar e vi um casal de
botos cor-de-rosa que praticava a dança do acasalamento, uma imagem rara em
pleno setembro. Extasiado com tanta beleza, assisti de camarote, a natureza
perpetuando a espécie. Depois, como um raio de luz, se foram. Ficaram apenas as
lembranças que, como o vento, vão e vem lentamente com o mesmo frescor.
Bar da Loura
Além dos bares,
botecos e pensões que haviam no Mercado Velho, tinha um em especial: o bar da
Loura, um inferninho que funcionava à luz do dia, à beira do rio Acre, quase
debaixo da ponte metálica. Era lá que funcionava uma série de tipos de lazer:
cerveja, sinuca e mulher; parque de diversão para os ribeirinhos, colonos e
pessoas do gênero. Como o bar tinha uma varanda para o rio, servia de mirante
para inocentes e incautos quanto à serventia do estabelecimento.
No bar da Loura,
principalmente nos fins de semana, a vida era agitada. Com a vinda de
ribeirinhos para vender seus produtos na cidade, grande parte deles, ia comprar
com o dinheiro arrecadado, outras coisas como o prazer, na casa do amor. Uma
vista para o rio, duas sinucas e um quartinho ao lado do banheiro para a
satisfação de alguém do sexo masculino, era tudo para quem estava numa seca
braba.
As moçoilas se
alegravam com a casa cheia e desfilavam entre os presentes de shortinhos
apertados, oferecendo sorrisos e convites para uma gelada. Estava lançada a
sorte para a rapaziada com a “coisa” na cabeça. Por 20 paus era possível ficar
até uma hora no rala e rola no cubículo ao lado do banheiro. Um dia, durante
uma friagem, um camarada com pena de uma das meninas, deixou pago a molhada do
biscoito mas nunca voltou lá. O Jorge Viana reformou o espaço e tudo acabou.
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