Robélia Fernandes de Souza estreou na literatura a partir da década de 80. Mas desde o Colégio Acreano, já escrevia. Manauense de nascimento, ainda criança veio para o Acre, terra de seus familiares maternos. Graduou-se em letras pela Universidade Federal do Acre. Por muito tempo exerceu o magistério na área de Língua Portuguesa e Literatura. Ocupa a cadeira 35 da Academia Acreana de Letras.
Na poesia, estreou com o livro Asa de vida (1992). Depois vieram Conversa Afiada (1996), contos, e Boquinha da Noite (2003), acerca do folclore infantil acreano. Em 2004 publicou ConVerso novamente, o segundo livro de poemas da cronista-poeta. Porém, Robélia Fernandes sempre teve uma presença ativa nos jornais e revistas, além de participar de várias antologias locais e nacionais.
A voz lírica de Robélia Fernandes se acentua em temas que vão além de qualquer regionalismo, como exige a poesia. Para Clodomir Monteiro “não estamos diante de uma memorialista. Ela não oferece e nem cobra linearidade”. De seus versos emana um “universo metafórico dos fenômenos da natureza, seres e sentimentos”, acentuados por uma voz feminina. Mas, de acordo com a professora Margarete Edul Prado de Souza Lopes, a vontade maior da voz lírica é a de liberdade, mas sendo mulher, ainda está aprendendo a transpor a janela.
Robélia Fernandes por meio de uma escrita simples e bem elaborada traduz a relação entre a arte do texto e a da vida. E semeia poesia / E espera / Que amenheça o dia.
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ASA DE VIDA
Robélia Fernandes de Souza
Se a vida é pequena
São tantas as normas
E regras
Algemas
Se a vida é severa
São tantos arbítrios
E elos
Prendendo os sonhos
Soterrando castelos
Se tantos deveres
Lições
Costumes
Enterram meus pés
E me plantam
E me plantam
Como árvores
Só há uma saída
Faço da poesia
A minha asa de vida
Poesia é viagem
Por caminhos diversos
Libertos
É força motriz
Que se alarga
No peito infeliz
E se o espírito que é leve
E a alma mais leve
Precisam voar
Faço da poesia
A minha asa de vida
NEM ESPERANÇA
Robélia Fernandes de Souza
Não ouvi o apelo
Não senti o abraço
Não vi a estrela
Que me acompanhava
Havia luz na janela
Eu a mantinha fechada
Tanto tempo perdido
Tanta alegria comprada
Agora o trem corre solto
Não há mais estações
Só chegada
MENINA
Robélia Fernandes de Souza
A cama era dura
A casa era fria
A farinha era amarga
Mas eu era feliz
A rua, as pessoas, a cidade
Eram hostis
Mas eu era feliz
Eu tinha meu mundo
Tinha meus sonhos
Tinha um eu dentro de mim
O resto...
Só realidade
Não cabe no sonho
TELEVISÃO ÀS AVESSAS
Robélia Fernandes de Souza
Na televisão
Uma moça me convida
A comprar sabão
E outras pessoas
Dirigem carros
Bebem cerveja
E dançam e cantam
Abraçam-se, beijam-se
E fazem pouco
Da minha inércia
E solidão
Vampiro dissimulado
Suga de mim a emoção
Que alimenta os personagens
Toma meu cérebro
Filtra meus pensamentos
Amordaça
Neutraliza
Se faz a vida
Me faz a máquina
Me faz a máquina
Diante dela
Me faço tela
Ela é quem vive
Eu sou imagem
A GAMELEIRA E O RIO
Robélia Fernandes de Souza
O rio dorme
O rio brinca
O rio cresce
Ela fica
O rio desce...
Onde anda a cobra grande
O tucuxi encantado?
Onde apita Benjamim
Onde apita Benjamim
Onde atraca Tocantins?
Passa a vida
O rio passa
O tronco morre
O rio corre...
O rio lavava roupa
A areia prendia a popa
Do batelão carregado
Santa Maria, Deus te Guie,
Juriti, Estrela D’alva
A piracema explodindo
Na folia das tarrafas
Rio apitando grosso
Sem alarmar ribeirinho
Os balseiros navegantes
Sem pilastras no caminho
Desce o rio
É sua destinação
A água tudo arrastou
Naquela curva do rio
Só a saudade encalhou
AMANHECER
Robélia Fernandes de Souza
Dia novo
Tecendo luz
Na árdua conquista do espaço
Mistério arte
Que se renova
Em ouro e prata
Mistério arte
Que se revela
E a escuridão esgarça
Mistério ou magia?
Milagre de um novo dia
EU VI
Robélia Fernandes de Souza
Eu vi
Não me contaram.
Arigós aqui chegarem
Amontoados nas chatinhas
Vinham tentar a sorte,
A vida morava no norte,
Atrás da vida
eles vinham.
Gente rija,
gente terra
Alma plasmada com a pedra
Da caatinga
do sertão,
Traziam a sede na veia
Queriam a seiva da selva
Queriam o veio da seiva.
Acauãs em retirada
Noutros céus aclimatadas
Mas tentando um outro azul
Era tanta a esperança
Nos corações retirantes
que a saudade se encolhia
no mais escuro da alma.
Eu vi,
Não me contaram
Os arigós aqui chegaram
E nunca mais foram embora
E nunca mais foram embora
Uns perderam
Poucos ganharam,
Plantaram sangue na terra
Mataram a sede da guerra
Teceram lendas no verde
E fizeram nossa história.
TECELÃO DE SEGREDOS
Robélia Fernandes de Souza
Aranha inábil
O homem
Horas a fio
Trança a trança
Tece, tece
Tece, tece
A teia tonta
Dos seus segredos
Inventa
Esconde
Falseia
Escamoteia
A teia
Arm a a ilha
A armadilha
Disfarsa
A farsa
Acaba por ser a presa
Enquanto a teia se esgarça
SEM TESTEMUNHA
Robélia Fernandes de Souza
A janela fechou-se
Num supetão
Não viu a chuva
Espatifar-se na calçada
Enquanto o vento
Ao relento
Como um cão
uivava
IPÊ AMARELO
Robélia Fernandes de Souza
Minha mão madura
Fez-se leve
Fez-se pura
No plantio do ipê
Um pezinho de ipê!
Raizinha do meu verde
No verde que vai crescer
Um dia...
Eu já no tempo esquecida
Os herdeiros do meu sangue
Herdarão flores amarelas
Se um pouquinho de mim
No perfume da lembrança,
Quem me dera!
ENCHENTE
Robélia Fernandes de Souza
O rio!
Calda em ponto de fio
De repente, fez-se mar
Água, água
Espelho d’água
E meu olhar comovido
Mergulha nas águas barrentas
Desafogando lembranças
Outras enchentes
Felizes enchentes
Do meu rio de criança
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SOUZA, Robélia Fernandes de. Asa de vida. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1992.
SOUZA, Robélia Fernandes de. ConVerso novamente (poesia). Rio Branco: Tico-Tico, 2004.
4 comentários:
Adorei conhecer seus poemas, Robélia. Parabéns!
Poeta exemplar, Acadêmica atuante. Mãe dos meus amigos e poeta lapidar.
Parabéns Robélia escritora e Professora.
Poeta exemplar, Acadêmica atuante. Mãe dos meus amigos e poeta lapidar.
Parabéns Robélia escritora e Professora.
ROBÉLIA, amiga de infância!
Muito tarde, reencontrei Vc.! Estou com sintomas de COVID, aguardando exames!
Se bem me lembro, Vc. é irmã da Rute, e crescemos na mesma rua, em Rio Branco. Não me recordo o nome da rua, mas lembro-me que éramos vizinhas de Dona Carmélia, que salvou a vida de minha irmã - Carminha - quando a mesma foi picada por uma cobra venenosa após um folguedo embalado pela vitrola de sua Avó, à noitinha de um certo dia de 19...(49/50 ????). LEMBRO-ME DAQUELA BONECA! Apenas desconfiava que seu Tio a trouxera de Manaus!
Seja feliz, Querida!!!
Helena
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