sexta-feira, 13 de junho de 2014

AQUELA CARTA

Guilherme de Almeida (1890-1969)

                                                                                  A L.S.A.


Aquela carta cor-de-rosa, que me veio
da mão sentimental de uma desconhecida,
tornou-me tão feliz e deixou-me tão cheio
de um desejo tão bom de achar boa esta vida!

Chegou pelo Natal. Eu não sei o que existe
nas festas de Natal de tão simples e humano,
que tudo me enternece... E eu estava tão triste!
Foi ela que Papai Noel me trouxe este ano.

Aquela carta! Quanta coisa ela contou-me!
que há uma mulher que pensa em mim nas horas quietas
e que sabe de cor meus versos e meu nome...
Mas, ainda existe alguém que acredite nos poetas?

Ainda existe quem sinta essa necessidade
De sofrer um pouquinho a dor dos outros? Ainda
há quem ache que, enquanto houver lágrimas, há de
haver poetas na terra – e a terra há de ser linda?

Ainda há quem não hesite em ferir a mão langue
para plantar um lírio entre cardos perversos?
E, ferida, regar com gotas do seu sangue
o pobre coração de um homem que faz versos?...

Ignorada, distante mão, muito obrigado!
Tu me fizeste crer, suave e desconhecida,
numa coisa em que eu nunca havia acreditado:
– que este mundo ainda é bom e ainda é boa esta vida!


ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso, Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.138-139

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