Júlia da Costa (1844-1911)
Sabes o que é um poeta, visto pelo lado triste da vida?
Sabes o que é um poeta, visto pelo lado triste da vida?
Escuta:
Um poeta é um objeto indefinível que se
apresenta de improviso no mundo dos cálculos, a falar uma linguagem totalmente
estranha, para os homens em cuja fronte só se aninha a sede do ouro e da vaidade.
É um meteoro desconhecido cujo brilhar veloz,
é visto por aqueles que mais presos ao céu do que a terra, tem em si mais
espírito que matéria.
Um poeta, é um problema, um objeto sem valia
para a moça que mais presa aos seus enfeites, do que ao cultivo de seu espírito,
desconhece esses arroubos da alma, esses melodiosos acordes do pensamento que
se espraia nos mundos do infinito.
Um poeta, é nada para o homem sem prestígios,
para a jovem sem cultura, para esse povo rude que encara tudo pelo lado do
interesse, e que só tem em si uma ideia: Ouro! Enriquecer, para deslumbrar o
mundo com suas riquezas. Para estes, o poeta é nada, mas, para aquele que
encara a vida pelo lado espiritual, para aqueles (digo) o poeta é tudo.
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À tarde quando os ventos perfumados do
crepúsculo embalam as folhas, quando a terra ébria de amor de volúpia estremece
pensativa, o poeta despertando vagaroso, toma sua lira harmoniosa para encantar
àqueles, que como eles, sabem sentir o efeito mágico do belo e do sublime! Sem pensamento
passando de súbito pelo mundo dos cálculos sociais, se espraia, pelo infinito
procurando nele uma alma que o compreenda! Às vezes caminha anos inteiros;
ilude-se com o brilho de um espírito todo superficial, de uma alma toda de
lodo, nunca encontra um coração que tenha como o seu, poemas de um amor imenso!
Cansa-se embalde! é tudo matéria, cálculo, perfídia! Seu talento enfraquece, e
por fim abraça-se moribundo à rudez do século! Terrível decepção! Infelizmente é
esta a sorte de quase todos os gênios...
Eis aqui o poeta, visto pelo lado triste da
vida e admirado só de passagem por seus irmãos de sorte. Eis aqui o poeta,
visto de improviso pelos milionários do poder cuja posição balofa e vaidade louca
só excitam o riso daqueles que os desprezam! Agora escuta; é longe do mundo, na
solidão melancólica dos campos, entre Deus e a natureza, que vive o poeta,
rodeado dos prazeres inocentes da vida.
Cantam os pássaros, e as brisas das florestas
ciciam na ramagem do arvoredo um cântico imenso que se eleva até o Criador. Rumoreja
a fonte do deserto, e seu rumorejar saudoso lembra a vida até o ínfimo inseto
que volteja pela terra!
O poeta aí vive: ei-lo que acorda e encara a
natureza!
Oh! Sonhos felizes do futuro! O poeta é
venturoso porque prefere ao bulício das cidades, o silêncio das campinas! Longe
da turba invejosa que não podendo imitá-lo, tinha sempre um sorriso de desdém
para dar-lhe ele vive só com Deus e a natureza! Que lhe importa a glória?
O bafo da inveja quase sempre destrói a felicidade
do coração.
*Carta XXXI da poeta paranaense Júlia da Costa
a Benjamin Carvoliva, poeta por quem nutriu durante toda a vida grande paixão.
COSTA, Júlia da.
Poesia. Org. Zahide Lupinacci Muzart. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná,
2001. p.370-371
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