Inês Lacerda Araújo
Época de futebol, época de lembrar de
episódios de raiva e preconceito racial nos estádios mundo afora.
O gesto de Daniel Alves e o comentário “somos
todos macacos”, repercutiram em favor do jogador, com velocidade e entusiasmo.
Alguns preferiram o “somos todos humanos”,
esquecem que o sentido da frase referente ao nosso parentesco, que existe sim
com os macacos se devia à comparação de negros com macacos. Ofensivo,
preconceituoso, mas apanhar a banana e comê-la equivaleu a dizer, e daí? Vocês
são macacos também!
***
A evolução nos tornou humanos, mas não
humanos suficientemente. Quer dizer, de um lado, somos resultado de
transformações biológicas, históricas, sociais, culturais, somos "humanos,
demasiado humanos". De outro lado, ainda somos bárbaros, comparáveis a
feras, aos brutos.
Escola peripatética |
Justificamos crenças como se fossem verdades
inamovíveis, e povos inteiros as impõem. É incrível que séculos atrás os gregos
buscavam razões, justificavam suas crenças em deuses e mitos como interpretação
de atitudes e valores humanos, usavam argumentação, raciocínio, fundaram a
lógica e buscaram os princípios de todas as coisas na metafísica, indagaram
sobre as causas mais gerais de todos os seres.
Enquanto isso, em outras partes do mundo,
tais usos da razão estavam ainda muito longe de serem conquistados, alguns
povos jamais os alcançariam.
Entretanto, na modernidade não há mais
justificativas para desconhecer que buscar razões, espírito de tolerância,
abertura para o outro, o diferente, usar a mesa de negociações e outras tantas
práticas que costumamos chamar de "civilizadas", beneficiariam todos.
Qual a razão, o que justifica guerras fratricidas, eliminação racial, ódio,
desrespeito às mulheres e crianças, ao que fala outra língua, ao que pratica
outra religião, que habita outra fronteira?
O ideal de muitos chefes de países ainda é
obter pela violência a obediência restrita, melhor é dirigir manadas do que
cabeças pensantes. Muitos governantes não passam de chefes de gangues. Quanto
mais poderoso é o tirano, mais submisso seu povo, são de fato súditos
(submetidos). Se o momento da revolta chega, os encontra despreparados para se
autogovernarem.
***
O que esperar de nações onde a escola é um
meio de doutrinação?! Ou onde não há escola ou onde são destruídas? Onde a
educação é desprezada?
Escola na Nigéria destruída por fanáticos |
Crianças educadas para não pensar, para fazer
parte de uma manada, servirão quando adultos a uma classe, a uma seita, a um
poder, endeusarão o estado. Isso aconteceu no século passado, na Alemanha à
época do nazismo. E acontece ainda hoje, escolas há que doutrinam, dogmatizam e
impedem a busca de razões. Para chefetes e ditadores é perigoso argumentar, é
uma ameaça dotar-se de liberdade de espírito, imbuir-se da necessidade de
investigar, e não se contentar com regras nem com princípios intelectuais que
não passaram pelo crivo da indagação.
As muitas possibilidades na aventura intelectual,
na aventura humana, são limitadas somente por nós mesmos!
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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