Hibernon Alves de Mello (1896-1977)
No dia 25 de Janeiro, do ano de 1868, na
cidade de Parnaíba, no estado do Piauí, pelas cinco e meia horas da tarde,
nublou-se o céu de nuvens negras, que o vento tangia com velocidade para um
certo ponto do horizonte.
Hibernon Alves de Mello |
Tudo indicava um forte aguaceiro, ou tremendo
furacão.
Com espaço de uma hora, pouco mais ou menos,
desfez-se o temporal. Fortes relâmpagos e trovões abalavam a terra; o furacão
rugia.
Chovia à cântaros, e as árvores impelidos
pelo forte vento curvavam as enormes copas, e algumas partiam-se ao meio.
Algumas casas, na cidade e choupanas, nos
arrabaldes, tombavam. Era já noite fechada, quando tudo serenou.
O dia 26, amanheceu belo; o sol, com os seus raios dourados e o seu calor vivificador, começava já a dourar o pico das casas altaneiras, e respirava-se um ar renovado, e mais saturado de oxigênio, o que precede as grandes tempestades.
O dia 26, amanheceu belo; o sol, com os seus raios dourados e o seu calor vivificador, começava já a dourar o pico das casas altaneiras, e respirava-se um ar renovado, e mais saturado de oxigênio, o que precede as grandes tempestades.
N’uma das belas estradas, por onde se vai da
aludida cidade de Parnaíba à vila dos Humildes, via-se, a caminho, um pobre
velho, cego, com uma pequena trouxa de roupa suspensa da extremidade de um
cajado, que ele levava ao ombro, e, à sua frente, uma linda jovem, de cor
branca e cabelos louros, que o guiava pela mão.
Caminhavam em silêncio, e de vez em quando
paravam, a fim do velho, que parecia adoentado, tomar alento.
A brisa soprava suave e tremulava os belos
cabelos da moça, que, vistos de longe, aos reflexos do sol, davam ideia de uma
auréola.
Passarinhos, saltitavam d’aqui para ali,
soltando harmoniosos gorjeios, e, a cada momento, encontrava-se, à margem da
estrada, arvoredos pesados de flores, que embalsamavam o ar com o suave
perfume, alastrando no chão, e dando aos viandantes magníficas sombras, que
tornava harmonioso e belo o longo curso da estrada.
Os dois entes continuavam a caminhar sempre
em silêncio, e a moça não despregava o olhar do caminho; quem a visse, assim, a
caminhar, adivinhava abrigar-se n’aquele imaculado peito alguma grande
contrariedade, ou algum profundo desgosto.
De onde vinham?
Para onde iam?
Ninguém o sabia.
Depois de algum tempo andarem, disse o velho:
“Filha, vamos descansar um pouco, debaixo de algum sombrio arvoredo, que já
começo a sentir algum enfado, e mesmo estou me sentido pior”.
Ela procurou um dos sombrios, onde havia
bastantes flores pelo chão, sentou o velho a um tronco de árvore, e,
sentando-se, também, no meio das flores, entretinha-se a aspirar-lhes o
delicioso aroma e a brincar com elas. O velho enxugava o suor que lhe inundava
a fronte. N’isto, ela o viu tombar para trás; levantou-se pressurosa, a fim de
o suster, cuidando tratar-se apenas de uma vertigem, porém, ao pegar-lhe e
tomar-lhe do pulso, verificou que já era cadáver.
Fora ele vítima de uma apoplexia fulminante.
A linda criatura, então, não pode resistir ao
embate de tão grande desgraça e deu logo expansão às lágrimas, que lhe afluíam
aos olhos, em borbotão. – Murmurou por entre grande pranto, entrecortado de
soluços: “Meu Deus, que será de mim agora, n’este mundo, sem um único arrimo?
Que fazer n’esta emergência, sozinha, n’esta
deserta estrada, longe, talvez, de gente?
Para ode irei?
Oh! Meu Deus, tende piedade de mim!”
E pranteava-se cada vez mais, de modo
inconsolável.
Ao findar as últimas palavras, pareceu ouvir
para o lado oposto d’onde viera, o tropel de um cavalo, que, inda se não
apresentava, devido a uma curva do caminho. Criou alma nova.
Com efeito, já aparecia agora, ao longe, na
florida estrada, o vulto esbelto de um mancebo, montando um belo cavalo esquipador,
ricamente ajaezado. Ao defrontá-la, saudou-a e perguntou o que ali fazia. Foi o
meu avozinho que aqui expirou, disse ela, por entre lágrimas e soluços.
E onde está?
Aqui, por trás d’este velho tronco. O mancebo
apeou-se, amarrou o cavalo a um galho de árvore, encaminhou-se para ela,
cumprimentou-a, e sem poder desfitar os olhos d’ela, antes mesmo de olhar para
o cadáver, disse: “que portento de beleza que tu és!”.
“Que primor de menina!”
A que ela baixou os olhos, rasos de lágrimas,
e pôs-se a olhar, com ar triste, para as flores.
Depois, ele, dirigindo-se para o velho,
pegou-lhe no pulso, por momento, e exclamou: “Morto”. Conta-me com se deu isto,
linda menina, murmurou:
Oh! meu rico senhor, eu vo-lo narrar do
começo, disse ela.
– Minha mãe faleceu de varíola quando eu
contava de idade de seis meses e dias; em seguida, pouco depois, faleceu meu
pai, pelo desgosto de haver perdido, e, tomaram conta então de mim, os meus
avós maternos. Alguns anos depois, morre também a minha avó.
Eu tinha, já, n’este tempo, dez anos. Passei
então a viver com o meu avozinho, que muito me queria.
Frequentava uma escola pública, que pouco
distava do nosso arrabalde; frequentei-a assiduamente quatro anos, oito meses e
dias.
Vivíamos felizes na nossa humilde choupana, embora
como pobres. Meu avô era lavrador.
Depois, ele começou a sentir falta da vista,
aos poucos, e terminou por ficar cego de todo. Disse-lhe o médico que era
catarata.
Desde que ele cegou, entrou-nos em casa a
miséria, com todo o seu cortejo de infortúnios; deixei até de frequentar a
escola por não possuir mais um vestido em condição.
Começou, então, para nós, uma vida de
privações e humilhações. Não podemos dormir, muitas noites, devido a fome.
Meu avô tinha acanhamento de sair comigo,
pelas ruas, a pedir esmolas.
De alguns dias a esta parte, ele dissera que
havíamos de empreender uma viagem, à casa de um seu irmão, tão velho e pobre
quanto ele, e que, se achando doente, cego, sem poder trabalhar, receava, de
momento, morrer e deixar-me ao abandono.
Nunca vi e nem sei onde mora esse irmão de
que ele me falava.
Aquela tempestade de ontem abateu a nossa
miserável choupana, que, se não fora o estalido de uma viga, como um aviso de
Deus, teríamos ficado sepultados sob os escombros. O resto da noite passamos expostos
à chuva e ao relento.
A vista do sucedido, disse o meu avô que
hoje, muito cedo, havíamos de pôr-nos à caminho, em busca da casa do irmão, o
que realmente fizemos. E concluiu o
restante da história, dizendo: eis aqui, senhor, a narração de nossa vida.
Mário, pois, era este o nome do mancebo,
ficou por instantes pensativo, e perguntou-lhe: como te chamas?
Maria Celeste, mas tratavam-me em casa por
Celeste, disse ela.
Que idade tens?
No dia 20 de março completarei dezessete
anos.
Para onde tencionas dirigir-te agora?
Deus é quem sabe.
Irás, pois, para a minha casa, disse-lhe
Mário, mas, primeiro, vou cobrir o corpo de teu avô com ramos verdes e, em lá
chegando, mandá-lo-ei imediatamente transportar.
Tu vais comigo, na garupa do cavalo. E
enquanto este sacava um canivete e se punha a cortar tênues ramos, Celeste,
apanhando flores, as mãos cheias, ia cobrindo com elas o cadáver. Minutos
depois, achava-se este coberto de flores e ramos.
Ponhamos-nos à caminho, disse Mário, que o
sol já vai alto, e a minha casa, dista d’aqui, um bom pedaço.
Tomou a garupa do animal com uma manta que
trazia. N’um momento, Mário e Celeste desapareceram na curva da larga estrada.
Celeste, antes de partir, afastou as flores e
ramos, na cabeça do avô, e beijou-o na testa.
Deixemos que eles sigam em santa paz.
*
* *
Mário, não dissera, sem razão, que Celeste
era um portento de beleza, porque, de fato, o era, e capaz de ganhar um prêmio
no centro de qualquer grande capital.
Eis aqui o seu perfil:
O corpo, um todo composto de linhas
proporcionais e bem formadas; a boca, pequena; os lábios, nacarinos, que quando
desabrochavam n’um riso, punham a descoberto duas fileiras de dentes, certos,
pequeninos, e de um esmalte alvíssimo e brilhante; os olhos de cor do céu, eram
cintilantes; o nariz, pequenino e bem feito; sobrancelhas e pestanas, espessas;
o cabelo, louro, crespo e abundante, caia-lhe pelos ombros e espáduas, como as
ondas de um mar revolto; a voz, era de uma meiguice que deleitava; as faces, de
cor rósea, finíssima e transparente; e epiderme, muito alva, fina e rosada;
estatura, mediana; porte elegantíssimo.
Parece que Deus quis atingir a suprema
perfeição, na formação d’aquela linda criatura.
*
* *
Alguma linhas sobre Mário: Era este filho de um riquíssimo fazendeiro.
Quando completou doze anos de idade, os pais
mandaram-n’o para o Rio de Janeiro, afim de estudar. Com pouco tempo de
achar-se nos estudos, manifestou grande vocação pela arte da pintura, e não
tardou, que não fizesse imenso sucesso n’ela, pois aos quinze anos apresentou
um quadro n’uma das exposições, de que, obteve o segundo prêmio. D’aí por
diante cultivou com mais esmero e carinho a arte, chegando a tornar-se um ótimo
pintor.
Dois anos depois de estar no Rio, recebeu
carta de seu pai comunicando o falecimento de sua progenitora, e, mais alguns
anos, perece também este. Com a sua morte, tornou-se mister o seu breve
regresso à casa paterna, a fim de tomar conta dos bens deixados, pois que era
ele o único herdeiro.
Tinha, então, vinte e cinco anos. Moço de grande
beleza física e dotado de belos sentimentos nobres; educação aprimorada, e
maneiras afáveis e corteses no tratar com toda gente, quer se tratasse de
pessoas de importância, quer de pessoas humildes, e possuidor de um coração mui
caridoso e magnânimo.
D’aí nascia a grande estima que todos lhe
consagravam. As senhoritas de destaque da sociedade teresinense, disputavam-n’o
com ardência, a fim de casamento, o que ele sempre se esquivava. Tinha ele o
propósito de só se casar com a moça que nutrisse por ela grande paixão, e
notasse que, outro tanto, sucedia a ela, porém, uma d’esta, ainda não havia
encontrado. Ele soube conservar a fortuna deixada por seus pais, a qual
aumentava cada ano.
E este tempo, os jornais do Rio anunciavam um
valioso prêmio, dado pelo governo, ao pintor brasileiro que apresentasse o mais
bonito e perfeito quadro n’uma exposição a realizar-se dentro do prazo de dois
meses.
Mário leu a notícia, e sentiu vontade de
concorrer a ela com um quadro. D’aí por diante, começou a trabalhar com a
imaginação, a procura de um modelo que o tornasse digno de exposição, e não era
capaz de encontrar.
Na manhã que se deparava com Celeste, andava
ele a passeio, pela estrada, espairecendo, e procurando na natureza, o que não
encontrava na sua mente.
*
* *
Tornemos aos viajantes:
Em viagem, Celeste quis saber o nome de Mário
e lh’o perguntou. Ele lh’o disse.
Durante toda a viagem, foi a única vez que
ela falou; às vezes, Mário ouvia-a soluçar e notava que ela chorava, então,
procurava confortá-la com palavras meigas e afáveis, entre as quais lhe dizia:
“Console-se, menina, que inda pode vir a ser muito feliz, pois é imensamente
bela.”
Chegados que foram ao pátio da casa de Mário,
este apeou-se, e, em seguida, a ela, e conduziu-a para casa.
Logo após, ordenou, a dois homens, que fossem
buscar o cadáver.
A casa de Mário era um belo e grande
palacete, luxuosamente preparado, e situado no cimo de uma meia esplanada, com
bela vista para a frente, ladeado por variadas qualidades de fruteiras, e
circundado de varandas.
Celeste, teve a impressão de achar-se n’um
éden.
Mário ordenou também a outros dois homens que
fossem cavar uma cova no cemitério, que ficava com distância de uma hora. As
seis da tarde, chegavam os homens do cadáver, com este, Mário mandou convidar
algumas famílias da vizinhança, para ajudarem à noite, fazer quarto ao morto.
Depois que deu as instruções precisas, montou novamente, e partiu a galope.
Horas depois, regressou, trazendo um grande embrulho. O cavalo estava inundado
de suor, o que indicava haver corrido bastante.
Tinha Mário ido à casa de uma boa modista, à
vila dos Humildes, comprar umas roupas para mulher. N’uma loja, fez também
algumas compras.
Quando chegou, entregou o embrulho à Celeste,
dizendo-lhe: “pegue, minha bela menina, mude esses andrajos”, e indicou-lhe um quarto.
Instantes depois, saia Celeste do quarto,
trajando um belo vestido negro.
Fizeram quarto ao defunto a noite toda, a que
Celeste não arredou pé de junto d’ele, chegando vez em quando. Seguiu-se o
enterro ao outro dia, que teve lugar às sete da manhã. Mário, mandou fazer em
casa, ligeiramente, um ataúde.
À subida do corpo, a moça teve uma síncope, que custou a tornar, e que Mário, a despeito de sua fleuma, agoniou-se bastante.
Passou a casa, o restante do dia, imersa em
profunda tristeza.
Celeste, quando tornou da síncope, achava-se
n’um quarto, de onde não mais saiu d’este, e nem aceitou o menor alimento.
No outro dia, ela amanheceu mais resignada;
chegou-se à Mário e disse-lhe com humildade: “Snr. Mário, Deus lhe pague o
muito que por mim já tem feito. Achando-me só no mundo, sem pais, parentes e
ninguém por mim, sem saber para onde ir, queria saber se o senhor me quer como
sua criada!
Prometo-lhe cumprir à risca, o que me
ordenar”.
Este, permaneceu um instante em silêncio, sem
poder falar emocionado, e desviando o olhar para disfarçar duas lágrimas,
prestes a cair, a custo respondeu: “quero-te, não para este fim, mas outro mui
diferente”.
D’aí por diante, ela tornou-se mais alegre;
tomou conta do serviço da casa, por sua livre vontade, trazendo tudo à tempo e
à feito, e, sobretudo, procurando lobrigar os pensamentos de Mário, a fim de o
servir o melhor que podia. Cada dia, o moço sentia crescer-lhe à afeição pela
donzela.
Às vezes, perpassava-lhe pela mente a ideia
de um casamento com ela, mas, lembrava-se da sociedade, e recuava apavorado.
Que comentários não faria ela, dizia, se chegasse a esposar esta virtuosa e
galante menina?
Dizia: “O snr. Mário casou-se com uma
indigente, que encontrou no meio de uma estrada, coberta de andrajos, sem
família, sem reputação, sem educação e sem merecimento”.
A tal sociedade, muitas vezes, é um grilhão
para nobres impulsos, de corações nobres, disse ele, e pegando distraidamente
de um livro, que se achava sobre a sua secretária, que comprara na véspera
d’estes acontecimentos, e que ainda não havia lido, abriu-o ao acaso e leu:
“Oh! a quantas pessoas tem a gente por santas que diante de Deus não são nada
ou muito pouco, e quantas pessoas a gente não conhece (e por ventura persegue) que
diante de Deus são umas pedras preciosas! Porque o mundo julga do exterior, em
que não está a virtude nem a santidade; mas muitas vezes muita hipocrisia”.
– Fechou o livro e disse: “Só parece que o
dedo de Deus anda no caso d’esta menina”.
O livro que ele acabava de ler era: “Motivos
espirituais”, do Padre Rodrigo de Deus.
N’este mesmo dia ele recebeu um vestido muito
chic que encomendara. Estava uma beleza.
Chamou Celeste e disse-lhe: “Amanhã, de
manhã, quero ver-te com este vestido e o mais bonita que puderes, pois vais me
prestares um importante serviço.” Ao outro dia apresentou-se ela, conforme ele
ordenara: radiante de formosura. Ele, quando a viu, só muito à custo pode
conter-se, pois sentia ânsias de atirar-se a ela, abraçá-la, e cobri-la de
beijos.
No salão de pintura, repousava já, sobre o
cavalete, uma grande tela, e, ao lado, as tintas e pincéis.
Ela, com meiguice e sorriso infantis,
perguntou-lhe: “Para que o senhor me quer?”
Para pintar-te o retrato, respondeu ele.
Sobre um rico divã, luxuosamente guarnecido
de fino damasco, ele colocou a jovem, reclinada a um travesseiro, em atitude
contemplativa, com a mão direita apoiando o queixo, e os cabelos n’uma desordem
encantadora. Quando acabou deu-lhe um beijo na face. A moça corou até mais não
poder.
Em seguida, ele, nervoso, pegou do pincel e
deu começo a obra.
Depois do beijo, ela conservou-se
circunspecta, sem, contudo, aparentar contrariedade. Ambos não pronunciavam
palavra, e apenas ouvia-se o tênue roçar do pincel, na tela. Já havia pintado o
corpo, os cabelos, a tez, os olhos, o nariz e ia dar a primeira pincelada para
a boca que n’ela se mantinha levemente contraída, quando ela, sem ele esperar,
esboçou um divinal sorriso, e ele, zás, consegue, apanhar na tela, as linhas
daquele lindo sorriso.
Quando acabou de aperfeiçoar a boca, disse:
“este sorriso, só ele, merece um poema de Homero, que dirá um prêmio de
exposição”.
Algum tempo depois, estava o quadro pronto.
Ao terminar, chamou Celeste e perguntou-lhe:
“Parece-se contigo?” Ela olhou, recuou maravilhada, e rindo-se, disse-lhe:
“demais.”
Ele remeteu o belo quadro à exposição,
cuidadosamente embalado.
Dias depois, os jornais davam o resultado, Mário havia tirado o precioso prêmio, que
constava de uma linda taça de ouro, embutida de brilhantes, safiras e
esmeraldas, e circulada de florões, em alto relevo.
O quadro, vendeu logo a um milionário, por
quarenta contos de réis, que os distribuiu pela pobreza, e a taça, presenteou-o
à Celeste, dizendo-lhe: “Toma, te pertence: penso a teres ganho só com aquele
sorriso; é justo que só lábios lindos, como são os teus, tenham o direito de
tocar-lhe a borda.
Quanto ao que me toca, quero apenas a glória
e este anjo; e ao dizer isto, o seu peito uniu-se ao da donzela, n’um anelante
amplexo, enquanto as suas bocas colavam-se em um longo, suave e doce beijo.
Enrubesceram: os olhos cintilaram com mais
fulgor e ficaram fundamente comovidos.
N’este mesmo dia, à tarde, quando o sol já
tresmontava, achava-se Mário debruçado à uma das janelas do palacete, e
entretinha-se a olhar a bela paisagem, parecendo abstraído em profunda meditação;
viu-se, então, ele cerrar um dos punhos, dar um forte soco no peitoril da janela,
exclamar: “Sociedade, que vá às favas; se amo é a ela, portanto me caso é com
ela”.
Quinze dias depois, os jornais noticiavam o
magnificente casamento de Mário com Celeste.
Nota: o conto “O belo modelo” foi publicado
originalmente em 1928 no jornal A Reforma (Ano XI), de propriedade de José Florêncio
da Cunha, nos seguintes números 521, 522 e 523, respectivamente nas datas de
30 de setembro, 07 e 21 de outubro de 1928.
Nota 2: pesquisa histórica e copilação por Isaac Melo, neto do autor.
Nota 2: pesquisa histórica e copilação por Isaac Melo, neto do autor.
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