Foto: Valdemiro Lopes |
Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para a flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos, para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?
Sim, mas aquelas
pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas
negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram
os que viram a morte,
ardiam ainda os
martírios por detrás do amor,
a primavera estava
salpicada de sangue.
– Cantei para os
escravos, eles sobre os navios
como um cacho
escuro da árvore da ira,
viajaram, e no
porto se dessangrou o navio
deixando-nos o peso
de um sangue roubado.
– Cantei naqueles
dias contra o inferno,
contra as afiadas
línguas da cobiça,
contra o ouro
empapado de tormento,
contra a mão que
empunhava o chicote,
contra os
dirigentes de trevas.
– Cada rosa tinha
um morto nas raízes.
A luz, a noite, o
céu cobriam-se de pranto,
os olhos
apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a
única que enchia o silêncio.
– Eu quis que do
homem nos salvássemos,
eu cria que a rota
passasse pelo homem,
e que daí tinha de
sair o destino.
Cantei para aqueles
que não tinham voz.
Minha voz bateu em
portas até então fechadas
para que,
combatendo, a liberdade entrasse.
Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixam-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.
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