terça-feira, 19 de dezembro de 2017

REÚNE-SE O AÇO (1945)

Pablo Neruda (1904-1973)


Vi o mal e o mau, mas não em seus covis.
É uma história de fadas a maldade com caverna.

Aos pobres depois de terem tombado
em farrapos, à mina desgraçada,
povoaram-no com bruxas o caminho.
Encontrei a maldade sentada nos tribunais:
no Senado a encontrei vestida
e penteada, torcendo os debates
e as ideias para os próprios bolsos.

O mal e o mau
acabavam de sair do banho: estavam
encadernados em satisfações,
e eram perfeitos na suavidade
de seu falso decoro.
Vi o mal, e para
desterrar esta pústula vivi
com outros, acrescentando vidas,
fazendo-me secreta cifra, metal sem nome,
invencível unidade de povo e pó.

O orgulhoso estava feramente
combatendo em seu armário de marfim
e passou a maldade em meteoro
dizendo: “É admirável
 a sua solitária retidão.
Deixai-o”.

O impetuoso tirou o seu alfabeto
e montado em sua espada se deteve
a perorar na rua deserta.
Passou o mal e lhe disse: “Que valente!”
e se foi ao clube para comentar a façanha.

Mas quando fui pedra e argamassa,
torre e aço, sílaba associada:
quando apertei a mão de meu povo
e fui ao combate com o mar inteiro;
quando deixei a minha solidão e pus
o meu orgulho no museu, a minha vaidade no
desvão das carruagens desengonçadas,
quando me fiz partido com outros homens,
quando
se organizou o metal da pureza,
então veio o mal e disse: “Duro
com eles, no cárcere, morram!”

Mas já era tarde, e o movimento
do homem, meu partido,
é a invencível primavera, dura
sob a terra, quando foi esperança
e fruto geral para mais tarde.


NERUDA, Pablo. Canto geral. Tradução Paulo Mendes Campos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p.589-591

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