quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A POESIA DE CECÍLIA UGALDE

Cecília Ugalde nasceu em Boca do Acre-AM, em 1958, mas desde 1982 vive em Rio Branco, capital do Acre. Cecília faz parte da nova geração de poetas acreanos, e integra, como membro-fundadora, a Academia dos Poetas Acreanos – APA. Tem formação em Letras pela Universidade Federal do Acre (2007). Seus primeiros trabalhos literários publicados foram “A passagem” (conto) e “Poema diálogo” no livro “Nova Literatura Acreana”, da Fundação Garibaldi Brasil, por ocasião do 1.º Prêmio Garibaldi Brasil de Literatura Acreana (2008). Depois vieram participações em antologias no Brasil e em Portugal, e mais publicações em várias páginas na internet. Seu trabalho foi objeto de estudo no livro “As vozes femininas da floresta” (2008), da Prof.ª Dr.ª Margarete Edul Prado de Souza Lopes. Em 2016, no SESC, Cecília publicou o livro de poemas “Retalhos da Alma”. “É do alto do pódio de funcionária pública federal que Maria Cecília dirige ao mundo o seu olhar poético de contemplação dos dilemas e dores produzidas pelas condições e contradições humanas. Trata-se de um olhar de compaixão e responsabilidade social porque nossa autora acredita que, através da sua escrita, contribui para um mundo melhor, conforme declara em “Dose de amor”: “Quero vestir de poesia o mundo e acabar com a dor””, escreve o poeta Renã Leite Pontes sobre a poesia da autora. Margarete Prado, por sua vez, assim afirmou: “Ela sabe falar das grandes dores amorosas, da imensa solidão que envolve aqueles que já tiveram um grande amor e vivem da saudade, e isso podemos notar na delicadeza da cadência dos versos, no ritmo suave, nos vocábulos escolhidos, nos títulos bem elaborados, que resultam em versos perfeitos e melodiosos”. 


CONTEMPLAÇÃO
Cecília Ugalde 

Contemplo como o belo que desejo
E estendo as minhas mãos para tocar,
Mas és fugaz e te dissipas em lampejos,
Como se eu não te pudesse contemplar.

Persisto na imagem contemplada,
Nos pormenores alongando a visão
E me deleito ao descobrir, ao perceber,
Quão bela é a figura que cativa o coração.

Inda contemplo com os olhos e com a alma,
Mas desejo contemplar com minhas mãos
Dialogar com a estampa figurada.

Sentindo em minhas palmas a vibração,
Da beleza nas carícias contemplada
E me perder nas trilhas do desejo da visão.


DEIXA
Cecília Ugalde

Deixa ficar comigo a noite enluarada,
Para o alvorecer não diluir meus sonhos.
Num cálice de penumbra estilhaçada,
Deita a seiva de amora e de luar risonho.

Deixa aconchegar o meu corpo mais e mais,
Para que eu possa sentir do teu peito o calor.
Envolve-me em lençóis de braços de corais,
Derramas em mim o teu cheiro de amor.

Deixa enveredar por tua carne efervescente,
Ouvir o som da pele primado nos teus beijos.
Num frêmito pulsar de vermelho incandescente,
O morrer de ti em mim, sobreposto no desejo.

Deixa enfim nascer o sol do calor da nossa noite,
Terão seus raios a polidez de todos os caminhos.
Verte meu corpo que de amor postula açoite,
Faz-me completa no abrigo do teu ninho.

Deixa...


É NATAL
Cecília Ugalde

É dezembro... O dia nasce pleno de vida e de amor.
No ar, a melodia, meu sonhar, minha certeza/incerta,
A porta que continua aberta à espera de você chegar.

A cidade cheia de cores, de motivos e ornamentações.
As pessoas são formigas, formigando as praças, as ruas,
Os supermercados, os alimentos, os carros e a estação.

Eu me locomovo em meio a toda essa gente/multidão.
De joelhos, abro os longos braços e agradeço aos céus.
Para colher o que me foi doado estendo as mãos.

Choro um pouco e sorrio outro tanto, nessa época de magia
E de encantos, que nos traz o renascer das esperanças.
Nunca mais preciso esperar. Há poesia em minhas mãos.

É Natal, e a prática de lembrar e ser lembrado nos conduz.
Quero acender as velas do meu veleiro e cruzar o mar,
Levantar minha taça e brindar à vida, o nascimento, a luz,
E desta sorte, renascer no tempo e na vida com JESUS.


FATOS (RE) VERSOS
Cecília Ugalde

Tanta água no mar...
E eu aqui no deserto árido da minha solidão.
Uma lua enorme no céu...
Eu me alumiando com o átomo de uma estrela morta.
A revoada de pássaros na janela...
E eu morrendo a míngua da minha asa metade.
Doze horas de luz por dia...
Eu tropeçando na escuridão da minha ignorância.
Sete cores no Arco Iris...
E eu alimentando uma esperança incolor.
Inúmeras páginas em branco...
E eu aqui vivendo uma história tombada.
A primavera eclodindo em flores...
E eu remendando os talhos feios de minha alma.
Tudo porque sai de minha concha...
Para ser liberdade
E viver a aventura
De amar
De querer
De SER.


FLUÍDO
Cecília Ugalde

O tempo passou e levou o tempo outrora...
E trouxe a dor que me doeu: a dor da separação.
E cresceu tamanha dor, desmedida na tristeza...
Que plantou lágrimas no jardim do coração.

O tempo passou e levou o tempo outrora...
O vento soprou e varreu as folhas amarelas.               
A tarde chorou o pranto que lavou tuas pegadas.
E a bruma escura e chorosa marcou o fim do dia,
Quando a noite chegou de saudade enxovalhada.

O tempo passou e levou o tempo outrora...
E apagou do teu olhar a luz dos olhos meus.
E na procura do sorriso que consola o coração,
Minh’alma fluiu e no universo se perdeu.

E o tempo passou e levou o tempo outrora...


NOS TRILHOS
Cecília Ugalde

Nos trilhos... O trem, o tempo,
As pessoas no vagão,
De vindas e idas,
Na bagagem a fé,
A esperança, o coração.
                             
O trem corre, o tempo passa,
Os trilhos ficam, a vida move-se,
Parte para uma nova estação,
A dor escorre nas janelas do vagão.

No vagão do trem da vida,
Nas chegadas e partidas,
Nos acompanha a solidão.


O ADEUS DA PARTIDA
Cecília Ugalde

Estou partindo de mim...
Levando na mala fragmentos de uma história
Ainda por nascer, por que você não deixou acontecer.
Transformou tudo em um sonho ligeiramente sonhado.

Estou partindo de mim...
Guardei as esperanças para um futuro qualquer
Mas ainda flertei com a ilusão de te ver chegar,
Segurar a minha mão e me pedir pra ficar.
Foi apenas um flerte a mais, antes de partir.

Estou partindo de mim...
Para não mais ouvir chorar o coração
E apagar da memória os desejos não realizados,
Que deixo no passado para poder sobreviver.

Estou partindo de mim...
Mumifiquei as dores e sepultei os temores
De seguir uma nova direção.
Estou perdida, sem mapa e sem orientação,
Mas por respeito a minha dor, vou embora de mim.
E para você que matou meu sonho, minha ilusão...
Não volto nunca mais.


SE FOSSE...
Cecília Ugalde

Se fosse verdade que você me chama,
Que você me ama, que você me quer.
Ah! Se fosse verdade essa voz que canta
Nos contornos do meu corpo, corpo de mulher.

Se fosse verdade que o bem floresce
Como a flor que nasce com todo esplendor.
Se fosse verdade que da alma emana
Na luz dos teus olhos reflexos de amor.

Se fosse verdade que o amor não morre,
Que da terra escorrem águas para o mar
E das espumas doce nascem o som da lira
Que no teu corpo inspira o desejo de amar.
 
Ah! se fosse verdade que no céu se canta
Um ditirambo de encanto e louvor...
Para no sentimento mútuo ficarmos no outro
Numa fusão sólida... ébrios de amor.


URGÊNCIA DE VOCÊ
Cecília Ugalde

Tenho fome da tua boca, da tua pele,
De sentir no meu corpo tua ousada mão,
Ando com fastio de outros alimentos,
Já não me sustenta o sagrado pão.

Estou faminta do teu sorriso inebriante,
Dos teus cabelos feitos de raios de sol,
Caminho pelas ruas como um vigilante,
Farejando o som distinto dos teus pés.

Busco teus traços na manhã que chega,
Quero me alimentar da tua mente atrevida,
Da tua fúria no meu corpo confidente e solto.

Quero respirar o sabor que me adoça a vida,
Vestir o segredo do teu corpo soberbo e nu,
Até saciar a fome que existe em mim.

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