sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

ATAQUE DO RAUL

Luiz Felipe Jardim


Num sei não, cumpadre, mas acho que tô especulando que a comadre Olivia teve um ataque daquele cidadão tenebroso, o Raul, num sabe? O Raul Zaime... Aquele cidadão que faz a gente se esquecer dos acontecimentos acontecidos, se alembra não? Não?

Pois o Raul Zaime - que eu não conheço pessoalmente mas conheço muito de muito dele ouvir falar - é aquele sujeito dos alemão; tinhoso; amedrontoso, que ataca o sistema cerebroso das pessos  da humanidade e faz elas ficar esquecidiça das coisas armazenadas no departamento das lembranças, no setor memorial. Tá lembrado agora?

Pois bem, eu acho que tô achano que a comadre Oivia foi atacada por esse facinoroso insidioso.

É que ela anda com a arrumação de espalhar pelos quatro cantos do mundo que eu dedilhava melodias pra fazer serenata pro filho mais antigo dela - e do cumpadre Teca - ir dormir quando ele era bebê. Já contou pra mais de uma ou duas pessoas essa arrumação.

Mas isso não tá correto não. E por um motivo bem simplificado: é que eu nunca vi nem mesmo um dedinho mindinho do filho mais antigo dela - e do cumpadre Teca - num sabe? Como é que eu podia dedilhar melodias pra ninar ele quando ele ainda tava nos cueiros? Né mermo?

Por isso eu acho que não procede essa arrumação da comadre Olívia.

E também, pela ausência do prumo correto do sistema memorioso dela, eu boto a pulga atrás da orelha e fico suspeitoso de que isso é obra daquele Raul Zaime, sujeito dos alemão, o facinoroso que faz a gente se desalembrar...

Ahhhh, mas agora tô me alembrando... Eu conheci mermo de verdade o minino dela - e do cumpadre Teca - sim... Mas quando ele ainda tava na barriga dela, num sabe? Nunca vi o minino pelo lado de fora puxando oxigênio da atmosfera com o própio fole, mas vi ele na barriga da mãe. Sem ver as fucinhas dele, nem ele as minhas, é claro. Mas vi a barriga dele, ou a barriga da mãe? enfim...

Tô me alembrando também que eu mais o Digú, irmão da comadre Olívia - e cunhado do compadre Teca - dedilhamos inúmeras belas vastas páginas musicais do cancioneiro popular, defronte daquela barriga da criaturinha mais antiga do casal.

Então é isso mermo. Vai ver que a arrumação da comadre é essa. Ela tá dizenu que eu mais o Digú, faziamos serenata quando o minino ainda tava lá barriga dela, num sabe? E que o minino ouvia o nosso matracolejo musical e saracoteava tanto lá por dentro que a gente via o rebuliço pelo lado de fora na barriga da mãe se mechendo... rs rs.

E ela despachou pro mundo essa arrumação dela com tanta graça, com tanta suavidencia e delicadez que até arripiou os cabelim do braço de uma moça que tava ouvindo a estória. E que me disse que a comadre contava essa arrumação pronunciando e pintando as palavras com a tinta com que pinta as letras e as figuras dos livros que ela escreve rs rs...

Mas vigie só! rs rs E eu aqui pensando que a coitada da comadre tinha recebido um ataque daquele sujeito dos alemão, daquele desmemoriento, ladrão de pensamento, o, o... Emiaz Luar, não, ao contrário, O, o, Como é mesmo o nome dele? O, o... Mas, sobre o quê você tava falando mesmo? Já faz tanto tempo... Né?

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