O poeta, jornalista
e professor Cesar Garcia Lima é natural de Rio Branco-AC, mas vive no Rio de
Janeiro desde 1995. É doutor em Literatura Comparada (UERJ) e mestre em
Literatura Brasileira (UFRJ). Atuou em importantes editoras, jornais e revistas
do país. Além de trabalhos publicados em antologias, é autor dos livros “Águas
desnecessárias” (1997) e “Este livro não é um objeto” (2006), ambos de poesia. Também
dirigiu os documentários “Soldados da borracha” e “Onde minh’alma quer estar”. Além
de desenvolver oficinas literárias, roteiros para TV e documentários digitais,
Cesar desenvolve pesquisa sobre crítica na Literatura Brasileira Contemporânea
(UFF), com bolsa de pós-doutorado da FAPERJ.
***
TEMPO DE MANGA
naquela época
as mães
dos amigos ainda ficavam grávidas
as crianças
menores eram um segredo
as do mesmo
tamanho, inimigos em potencial
quando a preocupação
era ganhar ou ganhar
e o demônio
podia ser qualquer barulho
depois da janta
p.15
A PRIMEIRA MORTE
Mãe me chama pra
escolher
qual galinha vira
almoço.
Choro desapareço.
Protesto em vão
contra o holocausto.
Domingo não como. p.17
CALOS DA FÉ
Durmo em pé
minha mãe dá aulas
de resistência
eu desconfio de
promessas
peço mais
evidências aos mártires
faço acordos com a
Virgem Maria
Beijar os pés de
gesso
do menino Jesus
no entanto
foi demais pro meu
asseio
a gota d’água
pra eu desconfiar
do catecismo p.20
ESCAMBO
ESCAMBO
encontrei sangue na nuca perfeita da deusa
e chorei meses por constatar a mortalidade de
sua paixão.
ela fez maçãs com seus coágulos
embrulhadas na luz
quebradiça de seus cabelos
loiros.
mas não
tive escolha senão vendê-las
e tirar delas o meu sustento. p.31
A SERPENTE DE PEDRA
Impossível
roubar as curvas da muralha da China.
É
um conforto saber que o rasgo fino dos olhos
aprecia a textura
impiedosa da caça.
Na verdade, eles
pouco sabem sobre a cor.
Construída
em horas tristes
dias incandescentes
a muralha agrega
sementes
trazidas pelos pássaros
em tempos que o
calendário não
registra.
Há
o consolo azul do anis
lembrando estrelas
e uma estrada
sempre reta
que endireita a
muralha.
Mas a muralha não
é assim.
Segue os contornos
imprecisos da garganta indócil
dos habitantes
cegos de suas redondezas.
Nem isso consegue
fazer esquecer o sabor
das especiarias
tiradas das dispensas dos deuses. p.34
ÁGUAS
DESNECESSÁRIAS
o que nos é dado
por acréscimo
o que nos é tirado
sem explicação p.59
TOMÁS
ANTÔNIO GONZAGA
Os mares, Critilo,
jamais descansam
Nem um grama de
ouro da derrama
Esclarece ao futuro
Os dotes do teu
desterro.
Os mares, Critilo,
jamais descansam
E não
recitam a intenção dos teus gestos
Ouvidor rebelado
Perdido entre a
lira e o poder.
Os mares, Critilo,
jamais descansam
Nem tuas artimanhas
de Galileu conjurado
No espectro em que
se confundem
O medo, a moral e o
amor-próprio.
Os mares, Critilo,
jamais descansam
E quem sabe
revolvam
Onde ficaram teus
escrúpulos
Após
o excesso de sol em Moçambique.
VESPERAL
Te conheci ontem
e já
comemorava
bodas de prata com
poemas impressos.
Hoje me premias com
tua ausência
e volto ao deserto.
Te poupo explicações:
mortos não
comparecem a encontros.
BONANÇA
Encosto a cabeça
No teu peito
E ouço
o mar
p.s. alguns poemas foram retirados do site do autor. E a foto, da página Caderno Lírico, também do autor.
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