XXXIX
Foto: Oceano de Letras |
Giga para curta viagem e ir na paixão
Ir na boleia sem teu coração
Não
quero não
Ir na viagem verde de olhos verdim
Eu
quero sim
Ir de carona sem levar paixão
Eu
não quero não
Ir na tua asa feito passarim
Eu
quero sim
Ir na clara nuvem sem tesão
Não
quero não
Ir na tua boca doce alfenim
Eu
quero sim
Ir na esperança sem tua canção
Não
quero não
Ir na tua gruta e plantar um jasmim
Eu
quero sim
Ir na voz do gozo com meu flautim
Eu
quero sim
Ir na tua loucura até o fim
Eu quero sim
eu quero sim eu quero sim p.98
●
A poesia sai dos livros de velhos poetas e
dos novos também inventando e reciclando formas & fôrmas do feio do bonito
da palavra e da transpalavra porque é coluna mutável no seu fuso no seu dínamo
Que ela seja clássica moderna contemporânea de vanguarda comportada marginal
lírica épica que ela seja nada e tudo e nada: varal chuva casa alicerce
arcabouço não importa e nem defini-la comporta se o que reporta é a fatura do e
para o homem assim como a porta da rua é a serventia do poema p.105
●
E assim como é que pode
se
a poesia não vende
e
a música não toca?
Resta ao poeta lombrar-se
se defender como pode
se não ele escorrega
e cai do primeiro mundo
na rima dessa ode
em cima da free-zone
no meio desse shopping
no coração da floresta
sem ter
onde
amarrar seu bode. p.159 (excerto de
Rastafa)
À SOMBRA DO AGENDÁRRIO DE JORGE TUFIC
Desde a Varanda onde albergaste pássaros.
Já te sabias plumas para os ventos
curtidos na salmoura, céu sem mácula.
Subjugando sombras pelas têmporas;
descerebrando ocaso da memória;
viva celebração da manhã frágil
em que, na duração, o instante voa
nas penas, mais antigas, que consagras.
A tua agenda abriga coisas simples;
desse canteiro que o teu verso rega
brota a sintaxe fácil tão difícil.
Essa, que humildemente chamas “brega”;
mas, bem no fundo, sabes que inauguras
o travo doce da fruta madura. p.374
(PA)LAVRA
Para Clodomir Monteiro
A palavra é o adereço
com que o poeta se enfeita
para o res-
caldo.
(A ferrugem e a alimária)
A escama que
re-descobre
re-veste
re-pensa
ferraduras de pangaré
chão de muito pisar
xerém de muito pilar.
Aí está a oficina inoxidável:
retalho
e rebotalho
zuarte
e seda
ferrão
de lacraia.
Como as osgas são o giz
descorando as paredes
e as pedras aborto de águas;
como o camaleão se despe
de franjas aveludadas
das asas de mil borboletas
paridas de um decamerão:
musgoso
verdoso
limoso
Lápide de orgias
o muro se inscreve
no aprendizado supletivo
do crivo da luz:
avena
de caramujos
centopéias
alinhavadas
pelas
agulhas do sol
ária amarela
solitária
partitura
de clave
clara
e escura.
PALAVRA-PALAVRA
Mais difícil sentir-te
do que decifrar-te:
Palavra
de Honra
(pacto de escorpiões)
Palavra
de Amigo
(assovio de sereias)
Palavra
de Ordem
(diálogo de surdos)
Palavra
de fé
(gosma de lesmas)
PA
LAVRA
lavoura de muito adubo
esterco quarto-minguante
pá de re-mover mica
e re-lavrar o brilhi
do
ab-surdo! p.267-268
POSSO LER SUA MÃO?
Por acaso estou ao
acaso
à espreita do ocaso
de casos
que fogem ao casulo
de cada um
cada caso é um caso:
coletivo casual
&
a esperança
é a primeira que
corre
na pista da revelação
de que Deus é
brasileiro
de papo amarelo
de olhos azuis
de longa cabeleira
verde
&
sua túnica branca
se envergonha
diante
do
sutil
insulto/inconsúltil
Consulte a quiromante
diria o poeta ao
acaso
Torne-se amante
da jogadora de búzios
Abra sua alma
à geografia astral
&
do mapa
solte sua tara
engastada no gogó
de enforcado do
Gólgota
e encarte-se no tarot
Diria ainda o poeta
aos de alma ecológica
aos de paz celestial
– entre um Saddam & um Clinton –
sirvam-se
de
um drink de Santo Daime
alistem-se
nas forças armadas
do
exército da salvação
da
Irmandade da Cruz:
remember Jim Jones
bispo Macedo?
XÔ
SATANÁS!
O salário do pecado é a morte!
Disse um pastor aos paaca-novas
enquanto 77 kaiwás & guaranis
– inclusive meninas de 15 anos –
seguiam o exemplo de Judas
pelo nó da culpa
Os pajés aposentaram Jurupari
não espanam mais os males
nem as curas
nem o uso de plantas medicinais
Os chocalhos
os trocanos gambás
se calaram
estão vazios os sons de Uakti
nem se sabe mais
o gosto gostoso
do tarubá
yagé caxiri
&
a língua pentecostal
(juntamente com os fuzis
da senhora Calha Norte)
é quem defuma
o que era rito
do seu tauari
Quando chegar o natal &
depois o carnaval
a tradição manda
na
santa semana
que se coma novamente
o cólera
nos peixes que vêm
do Peru
de páscoa &
choquemos
os ovos de magos coelhos
alquimistas férteis
da terra de Brida de Nosso Senhor
promissora & prometida
aos olhos de espiar a fé
num teto qualquer
nem que seja nos viadutos
da paulicéia da garoa
embaixo das 1a 2a 3a
pontes
dos elevados da Manaus moderna
ou
no aterro do Flamengo
tudo sob às vistas
do redentor
que lindo!
& os expulsos
dos
campos
posseiros
sem posses
sem
terras
sem
tetos
querendo um cantinho & um violão
Que
bossa a nossa
Nova?
Nem
tanto
Que bosta
a nossa de cada mangue
alagada entre as nossas pernas
Ah
chuvas de março!
Mocambos
bodós-na-lama
palafitas
igarapés
nos dai hoje
as fezes de ontem
que engordam
os jaraquis de domingo
&
os caranguejos de cada dia do ano
na comunhã do nosso cotidiano
mínimo
Ó salário minguante
como
a lua dos vira-latas
uivando
para
a seguridade
magra
social
socialites
carajás de caras sujas
na rima dos marajás
do mar de Búzios
Margarita
& Aruba
É
Deus é brasileiro
&
cada um
herdará um lote de azul
livre de IPTUs
quando estiver sentado
de cócoras com ele
à sua direita ou à sua esquerda
Por acaso
o poeta está à espera
dessa aliança?
Mesmo em preto & branco
Sem technicolor by de luxe?
A
ilusão
fica
por conta
dos olhos do mundo:
porque
por aqui vai tudo bem
como no ano que vem
por que Deus é brasileiro
gosta de carnaval & e agora anda
amarrado
ao boi-bumbá
(quem não gosta é intelectual e pentecostal)
&
gosta ainda de levar
um céu de vantagens
Certo?
E
assim prosseguimos
a reboque do fusquinha
numa paz ecológica
juntamente com os galos-da-serra
os micos-leões
& os jacarés de Nhamundá
Sempre abençoados
pelo santo descamisado
São-Francisco-de-Assis-é-dando-que-se-recebe
Quando o carnaval passar
o traficante estará nas salas de aula
fazendo campanha
pela privatização do ensino
Privado
de tod o mundo uni-vos!
Os homens de branco
hipócritas/Hipócrates
penduram troféus
estropiados ex-votos
nos imundos corredores
dos estaleiros de plantão
&
nós
comendo casca de ferida
querida
porque
tumor
amor
não
os seduz
assim
como o cancro a AIDS o pus
exsudato de votos
amealhados em consultas
datapreviamente & pagas assepticamente
Lazarentos
de
todo o mundo uni-vos!
Sabemos todos
ser um caso de polícia
mas as virgens
os parentes dos chacinados
os sequestrados
os estuprados
&
principalmente os de boa fé
preferem relaxar & gozar
Estuprados
de
todo o mundo uni-vos!
Ave mesa
das nossas refeições
onde comemos os ossos do ofício
&
as espinhas
do desemprego e da inflação
Santificada seja a nossa poupança
venha a nós o vosso over
assim como nas DBs
como no Fundão
&
não nos deixai cair
na sarjeta
sem
que tenhamos
as notas verdes
da aposentadoria
de cavalo-do-cão
a
m
é
m p.353-360
BEÇA, Aníbal. Banda da asa: poemas reunidos.
Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
Um comentário:
Excelentes poemas! É fundamental a difusão da cultura amazônica
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