Epicuro (341-270 a.C.)
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia
enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais
é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma
que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é
como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz.
Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está
envelhecendo sentir-se rejuvenescer por meio da grata recordação das coisas que
já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que
estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a
felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos
para alcançá-la.
Epicuro |
Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos
que sempre transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos
fundamentais para uma vida feliz.
Em primeiro lugar, considerando a divindade
como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de
divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua
imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo
o que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.
Os deuses de fato existem e é evidente o
conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas,
essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses.
Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui
aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a
respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas.
Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores
benefícios aos bons. Irmanados pelas suas própria virtudes, eles só aceitam a
convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja
diferente deles. Acostuma-te à ideia de que a morte para nós é nada, visto que
todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação
das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós
proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo
infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para quem
está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de
viver. É tolo, portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta
lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos
perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a
morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é
a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós
é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para
os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão
mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse
o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.
O sábio, porém, nem desdenha de viver, nem
teme de deixar de morrer; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um
mal.
Assim como opta pela comida mais saborosa e não
pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem
vivido, ainda que breve.
Quando aconselha o jovem a viver bem e o
velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de
agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que
diz: bom seria não ter nascido, mas, uma
vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades.
Se ele diz isso com plena convicção, por que
não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for realmente seu desejo;
mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que
brincadeira não admitem.
Nunca devemos nos esquecer de que o futuro
não é nem totalmente nosso, nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados
a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos
como se não estivesse por vir jamais.
Consideramos também que, dentre os desejos,
há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são
necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são
fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros,
ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a
direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade
do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim
praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.
Uma vez que tenhamos atingido esse estado,
toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de
algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do
corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos
pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se
faz sentir.
É por essa razão que afirmamos que o prazer é
o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem
primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda
recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre
prazer e dor.
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e
inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos
prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao
passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um
prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante
isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas
devem ser evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos
de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que
utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um
bem.
Consideramos ainda a autossuficiência um
grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos
com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que
desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural
é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.
Os alimentos mais simples proporcionam o
mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor
provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando
ingeridos por quem deles necessita.
Habituar-se às coisas simples, a um modo de
vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda
proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da
vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o
nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as
vicissitudes da sorte.
Quando então dizemos que o fim último é o
prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem
no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso
pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao
prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não
são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes,
nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce
uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de
toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa
perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o
princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa que a própria
filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina
que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe
prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão
intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.
Na tua opinião, será que pode existir alguém
mais feliz do que o sábio, que tem juízo reverente acerca dos deuses, que se
comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende
a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas
simples e fáceis de se obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos
causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como senhor
de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por
vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto
nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor?
Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que
ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a
esperança do perdão dos deuses por meio das homenagens que lhes prestamos, ao
passo que o destino é uma necessidade inexorável.
Entendendo que a sorte não é uma divindade,
como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem
algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou
nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode
surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser
desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom
projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau.
Medita, pois, todas essas coisas e muitas
outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e
nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás
como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal
o homem que vive entre bens imortais.
EPICURO. Carta sobre
a felicidade (a Meneceu). Tradução e apresentação de Álvaro Lorencini e Enzi
Del Carratore. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p.21-51
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