Isaac Melo
Não dá para esperar outra coisa de Ariano Suassuna, senão a excelência literária. Se a Espanha pode se regozijar com a genialidade de um Cervantes em Dom Quixote, a Itália de um Dante em A Divina Comédia, nós, brasileiros, podemos fazer o mesmo em relação a Ariano Suassana em Romance d’A Pedra do Reino. Obra que, enraizada na cultura popular brasileira e nordestina, cresce a tal ponto de tornar-se monumental e universal.
Não dá para esperar outra coisa de Ariano Suassuna, senão a excelência literária. Se a Espanha pode se regozijar com a genialidade de um Cervantes em Dom Quixote, a Itália de um Dante em A Divina Comédia, nós, brasileiros, podemos fazer o mesmo em relação a Ariano Suassana em Romance d’A Pedra do Reino. Obra que, enraizada na cultura popular brasileira e nordestina, cresce a tal ponto de tornar-se monumental e universal.
O Romance
d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta foi publicado em 1971. Suassuna compõe a sua narrativa a partir dos acontecimentos que se deram
entre os anos de 1836 a 1838 na Pedra do Reino.
A Pedra do Reino é uma composição
de duas grandes rochas, uma medindo 30 e outra 33 metros de altura, na Serra do
Catolé, no
município de São José do Belmonte,
no Estado de Pernambuco já na fronteira com a Paraíba. Ali, em 1836, sob a
liderança de João Antônio dos Santos, havia sido fundado um reino, de caráter
sebastianista, com leis e costumes próprios. Sendo que, em maio de 1838,
sob o comando de João Ferreira, cunhado de João Antônio, foram sacrificadas
cerca de 87 pessoas, pois, segundo ele, o rei português Dom Sebastião só ressuscitaria, trazendo prosperidade a todos, se a
Pedra Bonita fosse banhada com sangue de pessoas e animais. Dom
Sebastião, havia desaparecido durante a batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.
A Pedra do Reino. |
Ariano Suassuna visita a Pedra do Reino, inspiração de seu romance.
Eis uma síntese do enredo da obra por uma das
próprias personagens, no caso, o Juiz Corregedor, que indaga a Dom Pedro Dinis Quaderna, personagem principal:
“Coloque o caso assim, Dom Pedro Dinis
Quaderna! Suponha que você fosse o Juiz e eu o depoente e acusado. O senhor
chega aqui na Cadeia e vê-se diante da história de um homem que foi degolado
perto de mim. Eu sou um dos herdeiros desse homem e servir de Conselheiro a ele
durante a maior parte da sua vida. No mesmo dia da morte dele, seu filho mais
moço desaparece, e depois é encontrado morto. Desde então, eu passo a
profetizar, todo ano, a ressurreição e a volta desse Rapaz, meu primo e
sobrinho. Nas vésperas da Revolução comunista de 1935, aparece, aqui na Vila
(Taperoá), uma coluna de Ciganos, chefiada por dois homens estranhos, que vêm
trazendo de volta um rapaz que eles encontraram na estrada, meio esquecido das
coisas, e que, segundo dizem, é o filho mais moço daquele homem, filho agora
ressuscitado, como eu tinha predito. Alguém tenta matar o Rapaz. O tiro falha,
e o capanga é assassinado, com outro tiro, partido do lugar em que me encontro
no momento. Aí, eu volto para a cidade. A luta entre o Rapaz (Sinésio) e o
irmão mais velho (Arésio) começa, e eu tomo o partido do ressuscitado: no meio
de um tiroteio violento, saio com os Chefes da coluna para o acampamento de
suas tropas, momento que, segundo minhas próprias palavras, “encerra a fase do
Crime e inicia o da Vingança”. (2004, p.734)
O livro, belamente, se inicia assim:
“Daqui de cima, no pavimento superior, pela
janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa
indomável Vila sertaneja. O sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais
próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo sol esbraseado,
parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações
e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante
anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera
estranha, a Terra – esta Onça-Parda e cujo dorso habita a Raça piolhosa dos
homens. Pode ser, também, a respiração fogosa dessa outra Fera, a Divindade, Onça-Malhada
que é dona da Parda, e que, há milênios, acicata nossa Raça, puxando-a para o
alto, para o Reino e para o Sol.” (2004, p.31)
Uma das belas passagens da obra, o diálogo travado entre Arésio e Adalberto sobre a Justiça e a Verdade, presente no Folheto LXXIX intitulado “O Emissário do Cordão Encarnado”, às páginas 621-653.
A escritora Rachel de Queiroz, no prefácio, diz assim:
Uma das belas passagens da obra, o diálogo travado entre Arésio e Adalberto sobre a Justiça e a Verdade, presente no Folheto LXXIX intitulado “O Emissário do Cordão Encarnado”, às páginas 621-653.
A escritora Rachel de Queiroz, no prefácio, diz assim:
“Tenho muito medo de livro de erudito. Livro
de homem que leu tudo e sabe tudo e então compõe a sua obra reunindo todas
aquelas sabedorias, costuradas com fio de seda; mas a gente sente logo que
aquilo vem da cabeça inventiva, não dos flancos criadores do homem; e em arte a
gente não quer astúcias intelectuais, mas vida pulsando, embora sem saber como
pulsa e por que pulsa. (...) Só comparo o Suassuna no Brasil, a dois sujeitos:
a Vila-Lobos e a Portinari. Neles a força do artista obra o milagre da
integração do material popular com o material erudito, juntando lembrança,
tradição e vivência, com o toque pessoal de originalidade e improvisação. (...)
Por isso tem recuo suficiente para descobrir o mistério onde os da terra
naturalmente só veem o cotidiano.” (2004, p.16 e 17)
Escudo de Armas de Dom Pedro Dinis Quaderna, 12o. Conde da Pedra do Reino e 7o. Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe do Sete-Estrelo do Escorpião. |
Por sua vez, num estudo da obra, ressalta Maximiano
Campos:
“Este seu livro, mágico violento e belo, e o Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa, são romances superiores, desses livros que transcendem ao mero enredo e
fabulação e nos fazem ficar tentados a chamá-los de epopeias. (...) Ariano
Suassuna não limitou o mundo à visão do Sertão nordestino, mas, através dessa
visão de criador, fez do Sertão um palco gigantesco onde são representados,
através de seus personagens, os dramas da condição humana. (...) Lendo o
romance de Suassuna temos a impressão de estar diante de um grande mural em que
o pintor usasse as palavras como se fossem as tintas vigorosas da imaginação. E
estas cores vêm revestidas também de som. Nesse livro, homens, feras, a beleza
e a miséria, o sonho e a realidade, o mito e a descrença, o ódio e o amor, nos
envolvem e povoam a solidão da nossa leitura. E ninguém sairá impune dessa
leitura porque nela encontrará a farsa do mundo a ser representada. (...) São
livros como A pedra do reino que nos
ajudam a decifrar essa nação continente, essa fera misteriosa. (...) A pedra do reino se assemelha com o Apocalipse, porque é, também, além de
romance, uma profecia, que, no Sertão do Brasil, Quaderna tenta decifrar.” (2004,
p. 745, 746, 749 e 750)
Insígnia Astrológica de Dom Pedro Dinis Quaderna, O Decifrador. |
“Extraordinário
romance-memorial-poema-folhetim que Ariano Suassuna acaba de explodir. Ler esse
livro em atmosfera de febre, febril mesmo, com a fantasmagoria de suas
desaventuras, que trazem a Idade Média para o fundo Brasil do Novecentos, suas
rabelesiadas, seu dramatismo envolto em riso. Ah, escrever um livro assim deve
ser uma graça, mas é preciso merecer a graça da escrita, não é qualquer vida
que gera obra desse calibre.”
SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino
e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
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