José Augusto de Castro e Costa
A revolução acreana tornara-se finalmente vitoriosa com a rendição de Puerto Alonso, em 24 de janeiro de 1903.
Entretanto, dias depois os acreanos tomaram ciência de que, naquele mesmo período, partira de La Paz com destino a Puerto Rico o general Pando, presidente da Bolívia, e seu Ministro da Guerra, Ismael Montes, à frente de duas colunas do exército, para tentar a dominação do insurreto território que, afinal, deveria ser arrendado ao sindicato americano Bolyvian Syndicate, que exerceria ali poderes majestáticos.
Plácido tomara as providências de mandar parte de sua tropa para Puerto Rico, para empreender operações de reconhecimento e sondagem do potencial inimigo, a fim de tentar o sítio da praça boliviana e deter o propósito da alta cúpula invasora.
Já em Xapuri, enquanto preparava-se para partir a fim de enfrentar as colunas do exército boliviano, no transcurso do mês de fevereiro de 1903, Plácido tomara ciência de que o governo brasileiro ordenara a ocupação do Acre Setentrional, ao norte do paralelo 10°20’, fato que já estaria em andamento, com a previsão de chegada, em breve, de um considerado Batalhão do Exército brasileiro.
Surpreendido com a notícia, o Caudilho entregara ao seu substituto o comando da tropa acreana que enfrentaria o novo ataque boliviano e retornara apressadamente a Porto Acre, a fim de aguardar e recepcionar a chegada do comandante oficial brasileiro, general Olímpio da Silveira, o que ocorrera a 3 de abril de 1903, em clima aparentemente amistoso, não obstante a brevidade do encontro, o diálogo reticente e as reservas do visitante percebidos no encontro.
Demorando-se menos de uma hora em enigmática visita, o militar despedira-se vagamente, para continuar viagem rio Acre acima, deixando com o chefe revolucionário acreano apenas alguns jornais e imprecisas suposições.
A 10 de abril, o tom da incerteza anuviara-se um pouco mais quando Plácido de Castro recebera um ofício do general Olimpio da Silveira, comunicando-lhe que, por determinação do Governo Federal, passara a ocupar militarmente e assumira o governo do norte do território acreano, correspondente ao paralelo 10°20’.
O Caudilho, então, fingindo não compreender o quanto aquele ato ofendia a sua autoridade, contudo, considerando o dever de patriotismo não embaraçar as medidas do governo brasileiro e reivindicando os direitos conspurcados pelo governo boliviano, resolvera, por decreto, transferir para Xapurí, a sede do Governo do Estado Independente do Acre, assim como a Alfândega do Estado para “Capatará”, seringal que, cinco anos depois, adquirido por compra, em sociedade com seu irmão, viria a ser sua propriedade particular.
Rio Acre em 1906 - Capa do livro 'Madeira que cupim não rói', de autoria de Ana Lúcia Costa. Blog História Multimídia de Xapuri |
Xapurí era, por essa época, uma próspera e pitoresca cidade, de casas de madeira cobertas de zinco, construídas em um barranco alto, em frente à foz do rio Xapurí, servindo de empório ao comércio desse rio e do Alto Acre.
De passagem pela “Empresa”, Plácido conferenciara com o general brasileiro, acerca da recente invasão boliviana, sob o comando do presidente Pando, todavia, sem a menor referência ao objetivo da presença do exército brasileiro na região.
Encerrada a conversa Plácido retomara a viagem rio acima, para reencontrar a guarnição acreana Xapurí e seguir para Puerto Rico, que logo seria sitiado com as forças antes enviadas pelo comandante revolucionário.
Nos últimos dias de abril fora travado um intenso combate, após o qual, depois de quatro dias de batalha cerrada, as forças bolivianas começaram a dar sinal de debilitação.
Enquanto Plácido de Castro, em plena luta, considerava iminente o momento da rendição do poderoso inimigo, chegara, procedente de “Empresa”, o major brasileiro Gomes de Castro, trazendo-lhe um ofício do General Olímpio da Silveira, comunicando que fora assinado, pelo Governo Federal, o documento denominado “modus vivendi”, entre o Brasil e a Bolívia.
Plácido acatara a providência contida no documento e no momento em que preparara-se para retransmiti-la aos bolivianos, fora surpreendido com a bandeira branca que o general-presidente José Manuel Pando mandara hastear, em face de também haver recebido a comunicação do “modus vivendi’, estabelecido por instrumento datado de 21 de março de 1903.
Logo a seguir, Plácido tomara conhecimento, através do alferes Azevedo Costa, também do exército de ocupação da “Empresa”, de um ofício do general Olímpio da Silveira para o presidente Pando, propondo uma conferência direta com o boliviano, a realizar-se dentro de três dias, o que, na realidade, jamais ocorrera.
Plácido de Castro resolvera, então, retornar ao Acre para falar ao general Olímpio, o que fizera cavalgando o mais rápido possível. No trajeto, defrontara-se com situações, de certa forma intrigantes.
Em princípio, no caminho de regresso, o Caudilho encontrara um oficial boliviano que, passando pelos acampamentos acreanos, dirigira-se a “Porto Rico”. Perguntado por Plácido com que licença um boliviano atravessara um caminho estratégico que acabara de ser aberto, um oficial acreano que o acompanhava respondera que o fazia com ordem do general Olimpio.
Ao chegar ao Alto Acre, não encontrando o general Olimpio, Plácido retornara para providenciar mantimentos para as tropas que encontravam-se lutando no Tauamano, já sofrendo com a fome, que começara a ser sentida.
Com respeito, o Caudilho dera ordens ao ajudante-general do exército acreano que fizesse reunir os muares existentes na vizinhança e os enviasse com víveres para as tropas acreanas.
Um proprietário recusara-se a cumprir estas ordens, já influenciado pelos oficiais do general Olímpio, que também estariam estimulando os soldados de Plácido à desobediência.
Plácido mandara prender o tal proprietário e recolhê-lo à guarda da força. Os oficiais do Batalhão do Exército brasileiro, sob o comando do major Carneiro, ao tomar conhecimento do fato, foram libertar o preso, o qual aproveitara a confusão para evadir-se.
Segundo Plácido de Castro registrara em seus apontamentos, alguns soldados acreanos, feridos pela indisciplina que lhes sugeriram os oficiais do Exército, passaram a dividir-se.
Uma parte deles continuara a acatar as ordens dos oficiais acreanos, enquanto outra parte passara para o acampamento do 27° Batalhão do Exército, cujo comandante oficiara ao general Olímpio, relatando os acontecimentos da maneira que lhe conviera.
Os moradores do Acre amavam sinceramente a terra que descobriram, povoaram e defenderam do domínio estrangeiro, com sacrifício de inúmeras vidas.
Meio esquecidos do distante torrão, do qual raríssimas notícias recebiam, cearenses, amazonenses, maranhenses, pernambucanos, gaúchos, independentemente de quaisquer comandos, todos sentiam-se na verdade acreanos de coração, empolgados que estavam pela luta ingente na terra grandiosa e bravia.
Por estranho que pareça, era e é fato real que a vida no Acre sempre absorvera e empolgara o espírito dos fortes, que ali demoram, apagando-lhes as saudades da terra distante e dando-lhes ânimo de permanência e fixação.
Porém, as perspectivas pareciam trazer ao Caudilho e a seus fiéis companheiros a sensação de que estava sendo lançada a semente da cizânia a qual, regada ao ópio da cobiça de poder e glória, e utilizando-se da inveja, vaidade e ignorância de algumas pessoas, não demoraria muito, iria brotar o fruto do sofisma corruptível que vemos habitar períodos nebulosos, desde os primórdios, da história brasileira.
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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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