Escrever a esmo. Deixar a palavra sair inculta e inopinadamente. Exercício de sobrevivência. Ver o tempo cobrir tudo com sua poeira implacável. O sono estremece a vontade. Corro para o teclado como se fosse uma fonte da vontade de dizer, em busca do que é preciso ser dito. Sim, existe uma vontade de dizer, de revelar histórias, experiências, vivências. Só que a fonte está dentro do lugar mais profundo do ser. Existe um lugar no ser que guarda tudo o que já vivenciamos. Alcançar este lugar é muito difícil. É mais fácil achar que a fonte da vontade de dizer esteja em algum lugar menos secreto da alma.
Borges fala de Buenos Aires, e mais precisamente do lugar em que nasceu, no bairro de Palermo. A escrita vira quase um código, cheio de expressões incomuns, difíceis de ser entendidas, pelo menos para o leitor estrangeiro. Talvez seja como Guimarães Rosa a falar uma língua inventada a partir da linguagem do povo das gerais, mas que na verdade é uma língua própria e única. É uma língua intermediária entre uma linguagem própria só sua com a linguagem de Palermo, para Borges e das gerais, para Guimarães. E o exercício é tentar decifrar estes códigos. Um exercício que instiga o leitor, obriga-o a ser abrir para as dobras e mais dobras da alma do autor. Talvez tenha sido esta dificuldade que levou Graciliano Ramos a refutar o primeiro livro de Guimarães. Inscrito num concurso literário, Rosa teve seu livro reprovado por Graciliano.
Quando Borges fala de outras coisas, menos pessoais e mais exteriores, ele se torna mais decifrável. Nunca é simples ou óbvia sua linguagem. Mas deixa às vezes a impressão no leitor de que pode ser entendida, ou simplesmente aceita.
Coloco o teclado nas pernas, como Clarice Lispector colocava a pequena máquina de escrever. Penso em como o exercício físico da escrita mudou completamente com o advento do computador. E por outro se manteve igual. Para ilustrar o primeiro, ou seja, o modificável, lembro que o teclado é uma máquina a de escrever mais simples e menos pesada de por sobre as pernas. Para ilustrar a segunda afirmação, lembro das facilidades que a internet trouxe para o texto, como a presença de dicionário acessível a um clique e à existência de um verdadeiro conhecimento enciclopédico disposto no Google e na Wikipédia. Para quem trabalha com pesquisa estas ferramentas são muito eficazes, salvo alguns equívocos e imprecisões.
Penso em Borges, que acreditava na existência de uma enciclopédia total. O que diria da internet o escritor de O Aleph? O que diria ele de um instrumento que é capaz de trazer com um clique um mundo de livros? Imagino Machado de Assis lendo Sterne em um tablet. Vendo toda sua obra disponível para baixar.
Oswald de Andrade dizia que o modernismo fez com que o tabu engolisse o totem. Na TV, no programa da Regina Casé uma popozuda, chamada a repetir a frase do modernista falou que o tabu engoliu o top. Já eu diria que com o advento da TV o tabu ficou pop.
Saudades do texto do Toinho Alves. Faz crônica como ninguém. Leveza, profundidade, uma santa ironia. Gostava de ler seu blog Tempo Algum, sucessor de O Espírito da Coisa, que por sua vez existia muito antes do advento da internet. Desistiu de escrever, o danado. E deixou deserdados seus assíduos e longínquos leitores como eu.
Tempos de código florestal. Se a mata ciliar deve ter 10 ou 30 metros para proteger os rios e córregos. E as enchentes causando tragédias como a do Acre. Milhares de desabrigados e o risco de epidemias. Fruto do descaso com o rio e a ocupação de terras baixas. Sem alternativa, a população pobre é obrigada a viver nas terras alagáveis.
Palpitar sobre tudo. O facebook já ultrapassou a cifra de 1 bilhão de internautas. É gente demais curtindo abobrinhas no planeta terra.
Beleza roubada. Filme australiano feito no rastro do velho Pasolini de Saló de Buñuel, da Bela da Tarde ou De Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick. Uma jovem estudante pobre é obrigada a ter vários subempregos como xerocadora ou servente de restaurante. Por dinheiro aceita ser sedada para assim ser alvo da tara de velhos super ricos.
Separação, de Asqhar Farhadi. Um casal iraniano se divide entre a mulher que quer emigrar para dar melhores condições de vida para a filha e o marido que quer permanecer no Irã para cuidar do pai com alzheimer. Soma-se a este drama o conflito com a empregada cuidadora do doente. Se estabelece entre eles um jogo de verdades e mentiras, profano e sagrado, certo e errado.
Albert Nobbs. Troca de sexo no filme de Rodrigo Garcia. Albert é uma mulher que se faz passar por homem e trabalha como garçom num hotel da Irlanda do século XIX. A atuação de Glenn Close e a caracterização da época salvam o filme.
** Maria Maia é escritora e poeta acreana.
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