quinta-feira, 11 de abril de 2013

A GAZETA DO PURUS

Jose Augusto de Castro e Costa


Consubstanciado e convertido em livro, com prefácio do eminente e não menos querido poeta “senamadureirense” Jorge Tufic, posso dizer que tenho em mãos 134 números do jornal A GAZETA DO PURUS, periódico acreano, surgido em Sena Madureira, nos idos de 1918.

Sena Madureira, à época, constituía-se na principal cidade do Departamento do Alto Purus, quiçá do Acre, vivia uma política efervescente e já contava com três jornais: o Estado do Acre, o Brazil Acreano e a Gazeta do Purus, dirigido este pelo Dr. Victoriano Freire, redigido pelo Dr. Areal Souto e secretariado por Pedro Riquet Nogueira.

Por fazer oposição ao prefeito Fernando Dias Ferreira, o semanário atravessou sérias dificuldades. Porém, em 1920, apesar de seu redator-chefe, Areal Souto, ser eleito Prefeito do Município do Purus, o jornal já não apresentava a sua regularidade inicial, como esperara-se.

A estatística de Sena Madureira apresentava um universo de 3.044 habitantes dos quais, 1.258 eram mulheres e 1.786 homens. Pouco mais de sete por cento dessa população era composta de sírio-libaneses, portugueses, peruanos e bolivianos.

Constituíam o "cast" das principais autoridades regionais, o prefeito do Departamento do Alto Purus, o intendente municipal, o juiz de direito, o promotor federal, o presidente do conselho municipal, os secretários da Prefeitura e do Município, o comandante da Companhia Regional e os juízes de paz. Vários advogados, médicos, dentistas, farmacêuticos e contabilistas labutavam em Sena Madureira, que abrigava ainda um sem-número de comerciantes, seringalistas e funcionários públicos.
Vagonete Cassianãs - Rua Purus // Foto: Blog de Sena

Dois dos orgulhos de Sena Madureira, na época, eram sua linha de bondes puxados a burro e as diversas ruas bem delineadas, com valas de drenagem, entre as quais se destacavam a rua Macauã, a Xapury, a Amazonas, a Canamary e a Purus. 
 
Em Sena Madureira militavam, por esse tempo, duas correntes políticas, que, para variar, digladiavam-se violentamente. Do lado do governo estava o Partido Republicano do Alto Purus, o PRAP, onde destacavam-se o prefeito Muniz Varela, o Intendente Cesarino Doce, e ainda Victoriano Freire, Orlandino Cardoso, Areal Souto, Soares Bulcão, grande número de seringalistas e uma cisão da Loja Maçônica Fraternidade e Trabalho, que contava com suas ideias divulgadas pela Gazeta do Purus.

Entre os opositores destacavam-se os Drs. Flaviano Flavio Baptista, Antonio Costa Gadelha, José Martins de Freitas e Barbosa Lima, apoiados pelo “O Jornal”.

As lutas entre os dois grupos políticos, através das páginas dos jornais, eram intensas, sem tréguas e visceralmente avassaladoras, despidas de respeito e pudor às famílias e à honra pessoal, atingindo níveis agravantes. Política à parte, porém, Sena Madureira exalava momentos deleitáveis.

A Gazeta do Purus publicava, além do movimento político, fatos que abrangiam o noticiário nacional e estrangeiro, atos oficiais, colunas sociais, nascimentos, aniversários, casamentos, obituários, anúncios diversos, revelando o apogeu da cidade, apresentando dados estatísticos sócio econômicos locais, estendendo espaço às atividades artísticas e literárias, onde destacavam-se os poemas antológicos para a época em que eram publicados, os quais, se não superam ao que era produzido nos grandes centros, nada lhes ficarão a dever. A propósito, ressalte-se o soneto de Areal Souto, publicado na edição n° 35, de 25.9.1924, da Gazeta do Purus:

TERRA ACREANA 

Um crivo ao solo – é o rio, um só plano – a floresta,
Ao fundo – o seringal, mais adiante – a fronteira.
Eis a terra onde outrora, a lutar testa a testa
Um povo audaz repele a cobiça estrangeira.

Vê Plácido de Castro...  é uma sombra que resta
Saudosa tradição dessa estirpe guerreira
Que inda traz a cantar, n’algum lugar de festa,
O Hino da Conquista – o infeliz Mangabeira.

Terra de sacrifícios e de lutas mortais,
Vale de Josafá, fonte de tantos ais...
Tebas, Palmira, Assur, desmoronadas portas!

Como devem te olhar estes gênios de escombros
Como deve ser triste apertar em teus ombros
O sudário fatal de outras cidades mortas. 

 A edição de nº 128, de 30.9.1923 noticia que o então governador do Acre, José Thomaz da Cunha Vasconcelos, programou e efetivou visita à próspera cidade do Departamento do Alto Purus e foi alvo de excelente acolhida, bem típica da época.

A viagem entre a capital Rio Branco e Sena Madureira foi feita por terra, a cavalo, durante três dias, tendo governador e comitiva percorrido tortuosos varadouros, cerrados, mata fechada, num percurso de mais de 50 léguas.

Cercado de altas autoridades do município e de sua comitiva, o governador Cunha Vasconcelos assistiu a missa que dava início às solenidades de que foi alvo, as quais culminaram com um banquete no Hotel Central.

É através da Gazeta do Purus que se tem conhecimento de que a Prelazia do Acre, separada da Diocese do Amazonas, foi criada pelo Papa Bento XV, através da bula “Universas Regimen”, de 04.10.1919, com sede em Sena Madureira, e entregue à Ordem dos Servos de Maria, que teve como primeiros representantes os Padres Tiago Mattioli e Miguel Lorenzini.

Sabe-se que em 1920 o Acre foi unificado, tendo naturalmente sido extintos os quatro Departamentos e sendo escolhida, para capital do Território, a cidade de Rio Branco.  Inconformados, os habitantes do Alto Purus protestaram e muito lutaram pela primazia.

Durante a incansável reivindicação, corre a notícia de que, em Sobral, no Alto Purus, uma onça havia matado e devorado uma mulher e duas crianças, enquanto dormiam. Um jornal de Rio Branco, “O Futuro”, aproveitou para estampar um comentário, na notícia, emitindo textualmente que “em uma cidade em que as onças comem famílias inteiras, ainda querem que seja a capital”.

Os puruenses sentiram-se feridos com o comentário mordaz e esperaram um certo tempo para rebater, o que ocorreu quase um ano depois, quando a Gazeta do Purus transcreveu uma notícia da “Folha do Acre”, outro jornal de Rio Branco, de que, “nos quintais das casas da rua Rio Grande do Norte, ao lado do grupo escolar, apareceu uma onça, que andou fazendo algum alvoroço, tendo sido, afinal, morta por um magistrado,  morador naquela rua”.

E vem o desfecho, após longa espera:

“Credo! Depois disto e daquilo outro, ainda lá querem o bispo? Pena que o animalsinho não tenha sido morto por algum redator de “O Futuro”. Em todo caso achamos que o couro deve ser remetido para o Rio, à grande Exposição Nacional de 1922”.

As referências ao bispo prendiam-se ao fato da Prelazia do Acre e Alto Purus, ser sediada em Sena Madureira, com o que os acreanos de Rio Branco jamais se conformaram.

Graças à Gazeta do Purus, tornamo-nos conhecedores de boa parte do cotidiano de Sena Madureira, no período de 13.06.1918 a 25.09.1924, das atividades políticas, econômicas e culturais de uma então próspera cidade e ficamos admiradores do empenho de um grupo de idealistas que, mesmo isolados no interior mais remoto do Brasil, não permitiam a estagnação intelectual, e sim, representavam uma fase em que a imprensa brasileira atingia as pequeninas cidades. 


* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Reside em Brasília, e escreve o Blog FELICIDACRE. 
 
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