sexta-feira, 6 de setembro de 2013

BOLERO NO COLÉGIO

Elson Martins


A revitalização em 2006 do Colégio Acreano, construído há 70 anos, faz um bem enorme a alma dos seus ex-alunos. A minha, por exemplo, transborda de orgulho porque passei a década de cinquenta dentro da instituição: fiz o antigo primário no Grupo 7 de Setembro (que funcionava pela manhã), depois o ginásio e o primeiro ano científico no mesmo prédio. Saí de lá, em 1958, “desasnado” por mestres como Florentina Esteves, Geraldo Mesquita, João Coelho, Rufino (aulas de Latim), Miguel Ferrante, José Potyguara, entre outros. Nunca esqueci a figura do João Bracinho, o mais perene fiscal de sala e de corredores.

Fui colega de classe ou contemporâneo de gente que faz sucesso mundo afora. Posso citar alguns nomes próximos como Edílson Martins, jornalista e escritor que alguns pensam ser meu irmão; Odacyr Soares, também jornalista, que se enfiou na política tornando-se senador pelo Estado de Rondônia; o líder estudantil e político Elias Mansour (falecido), um dos mais brilhantes alunos do colégio; Flora Valladares Coelho, ex-presidente do Banco da Amazônia e que integra hoje a equipe do governo da floresta; a colunista social Marlize Braga; o advogado e escritor Joaquim Nogueira, com dois livros recentes lançados pela Companhia das Letras, em São Paulo.
Instituto Getúlio Vargas, atual Colégio Acreano (Acervo Patrimônio Histórico)

Colégio Acreano após revitalização (Acervo Secom)
Não é exagero afirmar que o CA funcionava como uma universidade. Para ingressar no Ginásio, os alunos saídos do primário enfrentavam rigoroso exame de admissão. A maioria frequentava o cursinho preparatório do médico Marinho Monte, que funcionava na Rua Benjamin Constant, onde hoje está localizada a Secretaria da Fazenda. Os bem-sucedidos na prova escrita ainda tinham que se submeter a uma sabatina oral de português, história, química e física.

Mas a seleção premiava os competentes, fossem pobres ou ricos. Aos eliminados, restava aguardar o ano seguinte ou tentar duas outras opções de nível secundário: a Escola Normal Lourenço Filho, que formava professores; e a ETCA (Escola Comercial) para contabilistas. Não havia ainda universidade. Após o segundo grau, os alunos pegavam o avião da FAB para o Rio de Janeiro; ou navio tipo gaiola, até Manaus ou Belém.
Alunos do Colégio Acreano na década de 40 (Acervo Patrimônio Histórico)

A história do CA tem passagens de muito brilho. O colégio era bom em tudo: nos desfiles de 7 de Setembro, então, mexia com o coração da cidade de Rio Branco. Lembro que a mãe da jornalista Rose Farias, Maria Celeste (atualmente professora de Letras na UFAC), foi uma baliza lindíssima e competente. Morríamos de inveja do Aramis (Sarará) escolhido como seu par nos desfiles. A escolha era feita pelo técnico de Educação Física Walter Felix, o Té, rigoroso na disciplina: ele ficava possesso com quem errava o passo ou ria enquanto marchava.

Uma de suas “vítimas” foi o Edílson Martins, hoje jornalista, escritor e produtor de vídeos para a televisão. Nosso simpático Come-Açúcar (seu apelido na época) tinha traços africanos com cabelos enrolados e lábios grossos, além do quê, era um poço de emoções. Nos desfiles não se continha ao passar em frente ao palácio do governo vestindo o uniforme de gala que lembrava o de um almirante. A emoção era tanta que ele não conseguia juntar os lábios deixando a impressão de riso. O instrutor Té, que nunca entendeu esse sentimento “almático”, o repreendia aos berros.

Eu tomei gosto pela leitura e tive o primeiro contato com o jornalismo no Colégio Acreano. Quando faltava algum professor, íamos para a biblioteca onde não se podia dar um pio. Li Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e clássicos franceses e russos nesse confinamento instrutivo. Com o Edílson Martins e o Odacyr Soares, fizemos o jornalzinho estudantil “O Selecionado” que chegou a publicar reportagens e entrevistas despertando interesse até fora do meio estudantil.

Às sextas-feiras, as últimas aulas cediam tempo a um show “lítero-musical” no auditório, onde também eram exibidos filmes bang-bang antiquérrimos, aos sábados. Cansei de ouvir a Clícia Montenegro recitar “Navio Negreiro”, do poeta Castro Alves. Ali apareceram também alguns conjuntos musicais. Lembro de um formado por alunos do 3o ano do curso científico. O hoje engenheiro Fernando Castro era membro de um desses conjuntos.

Aos domingos, durante o verão, turmas de alunos e professoras desciam ou subiam o rio Acre fazendo piqueniques nas praias ou nos seringais próximos.

Portanto, e apesar de sisudo – com professores que davam aulas vestindo paletó e gravata, com inspetores plantados em cada sala de aula, o carimbo de “presente” ou “ausente” na carteirinha valendo pontos para aprovar ou desaprovar os alunos no final do ano –, o Colégio Acreano sabia incentivar o lazer e a cultura.

Eu mesmo aprendi a dançar valsa, bolero e samba-canção em sala de aula, em sessões preparatórias para o baile de formatura do Ginásio. Entre as professoras de bolero guardo na memória a performance da colega Marlize Braga (hoje colunista social), com as curvas e o charme dos seus 18 anos.


N.E - O texto acima foi escrito antes do Colégio Acreano completar 80 anos, em 17 de julho de 2013. 

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