quarta-feira, 26 de março de 2014

A BORBOLETA

Humberto de Campos (1886-1934)


I

Vendo o céu limpo e calmo, e o sol brilhando
No alto azulado, trêfega e vadia,
Vê-lo de perto, lépida, bailando,
Quis uma flava borboleta, um dia.

E abrindo as asas trêmulas e alando
O corpo frágil dentre a ramaria
Rociada, as moitas e os rosais deixando,
– Qual uma leve pétala erradia, –

Na onda do vento que a arrebata e anima,
Rodopiando, festiva e tonta, pelas
Vagas de ouro, e a embalar-se Altura acima,

– Ei-la em busca do Sol, de asas expertas,
Julgando o louro apagador de estrelas
Uma rosa de pétalas abertas!

II

E sobe. Uma ave, no veloz violino
De ouro da argêntea e módula garganta,
Vendo-a no alto bailar, ensaia um trino
Mavioso e claro, as penas riça, e canta...

E ela, travessa e esbelta, entre o ouro fino
Da luz dourada, que na altura a encanta
E a inebria, mergulha, e o pequenino
Corpo acima das árvores levanta:

Enquanto embaixo, tímida e pequena,
Uma flor, dentre a rórida ametista
Da folhagem, com as pétalas lhe acena,

Ao ver que o Sol, com as coruscantes brasas
Do olhar dourado, vai tirar-lhe a vista,
E, entre os astros, no céu, prender-lhe as asas!

III

E ei-la no Azul. O Sol o Azul tauxeia.
A luz gloriosa, numa loura chama,
Se alastra. Uma harpa ma Amplidão gorjeia
E harmonias orfeônicas derrama...

E tudo busca a borboleta! Cheia
De amor e de ânsia, fulgurando, a trama
De ouro do Sol a envolve; o vento ondeia,
E sopra, e, em festa, buliçoso, brama!

E ei-la vencida pelo Sol que a embriaga
E a doura: envolta no fulgor faiscante
Da luz que os vastos páramos alaga!

Tonta e perdida! enquanto o vento arpeja
E canta e sopra e a leva, e a luz, brilhante
E forte, a cega, e, num delírio, a beija!...

IV

Minha senhora:
            Semelhante àquela
Borboleta que, o Azul buscando, alada
Ficou na altura, tímida e amarela,
– Como uma viva pétala assustada, –

Minh’alma, vendo a enganadora estrela
Do amor fulgindo em vosso olhar, em cada
Pupila vossa, em alvoroço, pela
Luz, subiu a essa abóboda estrelada.

E subiu tanto, alvoroçada, e tanto
Se deslumbrou na célere subida,
Que, deslumbrada e extática de espanto,

Longe da Vida, de híspidos abrolhos,
Ficou bailando, trêmula, perdida
No luminoso céu dos vossos olhos!


CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.130-133
* Fotografia de Sérgio Guerreiro

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