I
Vendo o céu limpo e calmo, e o sol brilhando
No alto azulado, trêfega e vadia,
Vê-lo de perto, lépida, bailando,
Quis uma flava borboleta, um dia.
E abrindo as asas trêmulas e alando
O corpo frágil dentre a ramaria
Rociada, as moitas e os rosais deixando,
– Qual uma leve pétala erradia, –
Na onda do vento que a arrebata e anima,
Rodopiando, festiva e tonta, pelas
Vagas de ouro, e a embalar-se Altura acima,
– Ei-la em busca do Sol, de asas expertas,
Julgando o louro apagador de estrelas
Uma rosa de pétalas abertas!
II
E sobe. Uma ave, no veloz violino
De ouro da argêntea e módula garganta,
Vendo-a no alto bailar, ensaia um trino
Mavioso e claro, as penas riça, e canta...
E ela, travessa e esbelta, entre o ouro fino
Da luz dourada, que na altura a encanta
E a inebria, mergulha, e o pequenino
Corpo acima das árvores levanta:
Enquanto embaixo, tímida e pequena,
Uma flor, dentre a rórida ametista
Da folhagem, com as pétalas lhe acena,
Ao ver que o Sol, com as coruscantes brasas
Do olhar dourado, vai tirar-lhe a vista,
E, entre os astros, no céu, prender-lhe as asas!
III
E ei-la no Azul. O Sol o Azul tauxeia.
A luz gloriosa, numa loura chama,
Se alastra. Uma harpa ma Amplidão gorjeia
E harmonias orfeônicas derrama...
E tudo busca a borboleta! Cheia
De amor e de ânsia, fulgurando, a trama
De ouro do Sol a envolve; o vento ondeia,
E sopra, e, em festa, buliçoso, brama!
E ei-la vencida pelo Sol que a embriaga
E a doura: envolta no fulgor faiscante
Da luz que os vastos páramos alaga!
Tonta e perdida! enquanto o vento arpeja
E canta e sopra e a leva, e a luz, brilhante
E forte, a cega, e, num delírio, a beija!...
IV
Minha senhora:
Semelhante
àquela
Borboleta que, o Azul buscando, alada
Ficou na altura, tímida e amarela,
– Como uma viva pétala assustada, –
Minh’alma, vendo a enganadora estrela
Do amor fulgindo em vosso olhar, em cada
Pupila vossa, em alvoroço, pela
Luz, subiu a essa abóboda estrelada.
E subiu tanto, alvoroçada, e tanto
Se deslumbrou na célere subida,
Que, deslumbrada e extática de espanto,
Longe da Vida, de híspidos abrolhos,
Longe da Vida, de híspidos abrolhos,
Ficou bailando, trêmula, perdida
No luminoso céu dos vossos olhos!
CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.130-133
CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.130-133
* Fotografia de Sérgio Guerreiro
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