quinta-feira, 13 de março de 2014

SONO DAS ÁGUAS

Guimarães Rosa (1908-1967)


Há uma hora certa, 
no meio da noite, uma hora morta, 
em que a água dorme. Todas as águas dormem: 
no rio, na lagoa, 
no açude, no brejão, nos olhos d'água, 
nos grotões fundos. 
E quem ficar acordado, 
na barranca, a noite inteira, 
há de ouvir a cachoeira 
parar a queda e o choro, 
que a água foi dormir... 

Águas claras, águas barrentas, sonolentas, 
todas vão cochilar. 
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas, 
fios brancos, torrentes. 
O orvalho sonha
nas placas das folhagens.
E adormece 
até a água fervida, 
nos copos de cabeceira dos agonizantes... 

Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente. 
Muitos hão de estar vigiando, 
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono... 


ROSA, João Guimarães. Magma. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p.66-67

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