Immanuel Kant (1724-1804)
Em todos os tempos, sábios (ou filósofos) que
se julgam tais, sem disposição de conceder alguma atenção ao lado bom da
natureza humana, esgotaram-se em fazer comparações adversas, em parte
repugnantes, a fim de representar de modo muito desprezível nosso mundo
terreno, a morada dos homens. 1) Como uma hospedaria
(caravançará), conforme cada dervixe o considera; um lugar onde cada indivíduo
que aí se hospeda em sua viagem pela vida deve compreender que será em breve
expulso por um outro, que sucede a ele. 2) Como uma penitenciária, opinião de que são devotos os sábios brâmanes,
tibetanos e outros do Oriente (até mesmo Platão): um lugar de punição e
purificação dos espíritos expulsos do céu, agora transformados em almas humanas
ou animais. 3) Como um asilo de loucos,
onde não somente cada indivíduo aniquila suas próprias intenções, mas cada qual
inflige ao outro todos os sofrimentos imagináveis, e ainda por cima considera
como a maior honra a habilidade e o poder de fazer isso. Finalmente, 4) como
uma cloaca, onde todas as imundícies
dos outros mundos são lançadas. A última concepção é de certa maneira original,
e deve-se a um humorista persa, que transportou para o céu o paraíso, a moradia
do primeiro casal humano, em cujo jardim encontravam-se bastantes árvores,
dotadas abundantemente de esplêndidos frutos, comidos com delícia, sendo os
excedentes perdidos por uma imperceptível evaporação. Com exceção de uma
árvore, situada no meio do jardim, sem dúvida atraente, porém dando um fruto
que não transudava. Como nossos primeiros pais tiveram vontade de prová-lo, sem
levar em consideração a proibição, não houve outro remédio, para que não
conspurcassem o céu, senão mandar um anjo mostrar-lhes de longe a Terra,
dizer-lhes as seguintes palavras: “Esta é a latrina do universo”, conduzi-los
imediatamente para lá a fim de satisfazerem suas necessidades, e logo então,
abandonando-os, retornar voando ao céu. Desse modo teria surgido na Terra o
gênero humano.
KANT, Immanuel. Textos seletos. Introdução de Emmanuel Carneiro Leão.
Petrópolis: Vozes, 2011. p.97
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