Elson Martins
A cheia do Rio Madeira em fevereiro e março,
que para os acreanos ainda não terminou, colocou em cheque a ideia de que o
Acre de Galvez e Chico Mendes pratique de verdade o desenvolvimento
sustentável. Bastou 60 dias de interrupção do trecho da BR-364 entre Rio Branco
e Porto Velho para que governo, comerciantes, “barnabestas” e todo mundo
corressem para estocar gasolina, gás de cozinha, cerveja, arroz, leite em
caixinha e em pó, ovos etc – com as mãos e o caos na cabeça.
Os ricos donos de supermercados foram os primeiros a alarmar a população dizendo que não conseguiriam repor estoques; e os postos de gasolina venderam num mês o dobro do que costumavam vender, porque muitos enchiam o tanque, corriam para esvaziá-lo em casa, em depósitos diversos, depois voltavam para a fila para pegar mais. Os executivos do comércio e da indústria correram a pressionar o governo para que conseguisse créditos especiais e o alargamento de prazos para os comerciantes poderem liquidar faturas no banco.
Os ricos donos de supermercados foram os primeiros a alarmar a população dizendo que não conseguiriam repor estoques; e os postos de gasolina venderam num mês o dobro do que costumavam vender, porque muitos enchiam o tanque, corriam para esvaziá-lo em casa, em depósitos diversos, depois voltavam para a fila para pegar mais. Os executivos do comércio e da indústria correram a pressionar o governo para que conseguisse créditos especiais e o alargamento de prazos para os comerciantes poderem liquidar faturas no banco.
O choro espalhou e contaminou atividades que
não tinham nada a ver com alagação. Uma feirante que nos abastecia de ovos
caipira a 7 reais a dúzia, sem mais nem menos, passou pra 10 e sem corar pôs a culpa no Madeira. Tomate,
mamão, cheiro verde, farinha, macaxeira, banana, tudo subiu de preço e até
agora se mantém lá em cima, como se as águas não tivessem baixado, ainda.
O pior é que ninguém conseguiu uma explicação
plausível sobre o que aconteceu nas cabeceiras do rio no Peru. Ouvimos falar que o Madre de Diós teve a
maior enchente dos últimos cem anos e só! O que mais se viu foi autoridade
falando que as hidrelétricas Girau e Santo Antônio, recém-construídas em
Rondônia, não tiveram nada a ver com transbordamento. Até a Presidenta, que
sobrevoou a região atingida num helicóptero, se apressou em negar qualquer
influencia das barragens das usinas.
Mas eu li pelo menos dois artigos de
estudiosos, afirmando que não se pode descartar, pelo menos, um agravamento da
inundação. Afinal, as usinas enfiaram no leito do Madeira toneladas de cimento,
pedra e aço, e esse entulho só pode ter atrapalhado o escoamento natural pela
calha do rio.
Com relação à sustentabilidade, pensei que o
Acre aproveitaria a crise de abastecimento para provar que é possível recorrer
a formas alternativas de sobrevivência. Se me chamassem a opinar sobre o
assunto, eu diria que na Rio Branco dos anos cinquenta a gente se virava nos
trinta. Faltava pão, comíamos macaxeira cozida, pão de milho, banana comprida
(cozida ou feito mingau), bejú, farofa com banha de porco, jerimum...
O governador Tião Viana agiu como um herói
dos trópicos, querendo apagar centelhas por todos os lados, brigando contra a
força da natureza. Quase esqueceu que tinha acabado de concluir o trecho Rio
Branco- Cruzeiro do Sul da 364 acreana, garantindo tráfego no inverno. Quando
lembrou, mandou vir gasolina e gás de Manaus, utilizando balsas até Cruzeiro, e
de lá, a estrada com trinta pontes até Rio Branco. Seria como se os macapaenses
precisassem se valer de produtos importados de Caiena, via BR-156.
Caminhões de combustível vieram do Peru
(Foto: Arison Jardim)
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O pior de tudo, acho, foi que a população de
um modo geral se mostrou fragilizada, em pânico, correndo para fazer estoques
antes que o vizinho saísse na frente. Tem consumidor que comprou tanta caixinha
de leite que parte delas pode estar apodrecendo. E outros talvez precisem abrir
uma vendinha de gás de cozinha. Ninguém pensou em improvisar um fogão a lenha
no quintal, juntar pedaços de pau entulhados
na rua, inventar um chá das cinco para substituir o café sumido.
Pior do que o pior de tudo foi não refletir
sobre o recado que a natureza ofereceu com a tragédia. Seria tão fácil, com a
ajuda da Internet, saber dos monstros que estão se formando pela aí, no mundo!
Li que, na Groelândia, o gelo tá derretendo com velocidade imprevista, fazendo
o nível do mar subir mais rápido do que supunham os cientistas. Está dito que
se o gelo continuar derretendo assim, num tempo estimado em décadas, nem
tantas, toda a massa gelada vai virar água e fazer o nível do oceano subir 7
metros.
Isso seria suficiente
para deixar debaixo d’água 80 das 100 maiores cidades do mundo, alertam os
pesquisadores. Quanto ao Rio Madeira, será que tem algum monstro se formando
nas cabeceiras?
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