PENTA UNIÃO CONJUGAL
José Augusto de Castro e Costa
No princípio do século XX, muitos brasileiros,
entre profissionais liberais e outros sem capacitação, decidiram realizar o seu
desejo de conhecer a amazônia, que tanto
seduzia seus espíritos aventurosos, a maioria em busca de fugir da seca e
de enriquecimento.
Chegando ao Acre, os solteiros, dentro do
possível, procuravam constituir família, de qualquer maneira.
O
romantismo literário já houvera cedido
lugar ao realismo e parnasianismo, porém, parecia emanar-se da floresta, como a
fragrância, personificando o xodó na
alma dos seringueiros.
Entretanto, logo após a virada do século, a
chamada boa sociedade mandava que, para efetuar bom casamento, fosse precedido
um pedido verbal ou por delicada cartinha de quem fosse alfabetizado.
Nas cidades de Manaus, Belém, Fortaleza e
outras, evidentemente, havia nas livrarias diversos livretos apropriados ao
assunto, contendo uma infinidade de modelos, para diferentes gostos.
Bazílio Gomes de Lyra, descendente de um dos
acompanhantes da segunda viagem do colonizador acreano João Gabriel de Carvalho
e Melo, nascera no seringal Remanso, do coronel Quintiliano Ferreira de Mesquita.
Muito dedicado às atividades do barracão, e
caindo na milagrosa simpatia do patrão, crescera e, por iniciativa própria,
buscara aprender as primeiras letras e as quatro operações aritméticas, daí
vindo a galgar algumas posições de relativo destaque no seringal, como capataz,
apontador e auxiliar de guarda-livros.
Acompanhara com absoluto interesse e
relativas participações as tentativas brasileiras de recuperação do território
acreano, desde a investida, conduzida pelo espanhol Dom Luiz Galvez Rodrigues
de Ária até a vitoriosa, comandada por Plácido de Castro.
Talvez cansado do celibato, é possível que Bazílio
Gomes de Lyra, evidentemente, andara percebendo a necessidade de uma romântica companhia
feminina, já que a mocidade passara a dar-lhe sinais de fechar o ciclo, porém
as candidatas em quem seus olhos pousavam, não despertavam-lhe interesse.
Finalmente, Bazílio sentiu e demonstrou que começara
a simpatizar seriamente com a viúva Filomena e, depois de algum tempo do que se
chama hoje de paquera, sem rodeios, de maneira mais simples possível, escrevera
-lhe umas maus traçadas linhas:
“......Se
acreditais que um ser humano, na situação de solteiro, é igualzinho à metade de
uma tesoura que nada pode fazer sem a outra metade, permita-me que eu vos
ofereça as minhas simpatias e a minha boa vontade para que possamos “ cortar”
do melhor modo possível, o tecido da vida “.
A graciosa Filomena que guardara luto, já
havia dezoito meses, de Francisco Alves, com quem estivera casada por apenas 48
dias, por conta de um forte surto epidêmico de beribéri, agravado por uma
fatídica picada de serpente surucucu-pico-de-jaca, também andara a procura de um
parceiro. Daí dedicar-se inteiramente aos termos daquela carta, lendo-a,
relendo-a, matutando, pensando, repensando, para, enfim, enviar, como resposta, uma linda tesoura
dentro de um pequeno, mas muito elegante, estojo.
Imediatamente, Bazílio, entusiasmado,
decidira encarar aquela que lhe fixara possível ventura, para agradecer-lhe o
simpático efeito de seus galanteios.
Luiz Galvez |
Em seguida, Bazílio Gomes de Lyra procurara o
então presidente do Acre, Dom Luiz Galvez, que de fato fizera seu casamento com
dona Filomena, viúva de Francisco Alves.
Pouco depois, fora Dom Galvez deposto e tendo
sido organizado o consulado brasileiro no então território boliviano de Porto
Acre, o representante do Cônsul, Joaquim Domingues Carneiro, sob pretexto de
inventário, legalizara e casara novamente Filomena e Bazílio.
Quase em seguida, andando em desobriga, o
monsenhor Francisco Leite Barbosa fez os dois, Bazílio e Filomena, já casados,
casarem outra vez, desta vez sob as bênçãos do religioso-católico.
Ainda não ficando nisso, estabelecido o
domínio boliviano, o respectivo representante, querendo organizar estatística
ou estabelecer o regimem de que era delegado, exigiu e conseguiu que Bazílio e
sua mulher três vezes, em audiência por si conduzida, fizessem novo contrato.
Já teria sido muito, porém não fora tudo:
pela quinta vez, um cônsul brasileiro, Carneiro de Mendonça, buscando um
pretexto para atacar o ato quatro vezes repetido, em que figuram Bazílio e
Filomena, declarou sem competência o agente consular, Domingues Carneiro, e os
fez casar de novo.
Dizendo a igreja que tudo quanto é ligado na
terra será ligado no céu, um laço dessa ordem, apertado com cinco nós cegos,
parece ter sido ligado até no purgatório.
E quanto Bazílio não deve ter desembolsado
pelas cinco vezes em que foi obrigado a casar-se, hein!
O fato é que o casal acabou saturado, e... cansado, batido, vivido
e sofrido nos dias seus, retirou-se definitivamente para Lábrea, onde, devidamente documentado,
deu divulgação à mais essa originalidade
acreana.
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