quinta-feira, 1 de maio de 2014

RECEITA MARGINAL

João de Jesus Paes Loureiro


Deixem-no nascer.
O leito da indigência
                        é boa medida...
Sem leite vai crescer
e sem verduras.
A lama há de lhe dar
                        por sob as palafitas
a herança verminosa das marés.
É bom que tenha jeito de sambista.
Escolas não terá
                        e nem infância.
E a juventude, melhor que não floresça
pois seu caule de amor
                                   já foi castrado.
No dia em que sair
                                   de parceria com a lua
( revólver na cintura
                                   e decisão no olhar )
o presunto está pronto, temperado.
Embrulhem-no em manchetes policiais
para servi-lo quente
                                   no café da manhã 


LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cantares amazônicos. São Paulo: Roswitha Kempf, 1985. p.233-234
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JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO é prosador, ensaísta e um dos principais poetas da Amazônia. Nasceu em Abaetetuba, no Estado do Pará. Professor de Estética e Arte, doutorou-se em Sociologia da Cultura na Sorbonne, em Paris, com a tese Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Sua obra poética tem sua universalidade construída a partir de signos do mundo amazônico – cultura, história, imaginário – propiciando uma cosmovisão e particular leitura do mundo contemporâneo. Dialogando com as principais fontes e correntes literárias da atualidade, Paes Loureiro realiza uma obra original, quase uma suma poética de compreensão sensível do mundo por meio das fontes amazônicas, em que o mito se revela como metáfora do real. 
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