Charles Baudelaire (1821-1867)
Ainda que Deus não existisse, a religião não
deixaria de ser santa e divina.
Deus é o único ser que para reinar não
precisa existir.
O que é criado pelo espírito é mais vivo do
que a matéria.
O amor é o gosto da prostituição. Nem há
prazer nobre que não possa ligar-se à prostituição.
Num espetáculo, num baile, cada um goza de
todos.
Que é a arte? Prostituição.
O prazer de estar nas multidões é uma
expressão misteriosa do gozo da multiplicação do número.
Tudo é número. O número
está em tudo. O número está no
indivíduo. A embriaguez é um número.
O gosto da concentração produtiva deve, num
homem maduro, substituir o gosto do desperdício.
O amor pode provir de um sentimento generoso:
o gosto da prostituição; não tarda, porém, a corromper-se pelo gosto da
propriedade.
O amor quer sair de si, confundir-se com a
sua vítima, como o vencedor com o vencido, e, não obstante, conservar
privilégios de conquistador.
O rufião, nas suas volúpias, tem alguma
coisa, a um só tempo, do anjo e do proprietário. Caridade e ferocidade. São
elas até independentes do sexo, da beleza e do gênero animal.
As trevas verdes nas tardes úmidas de
primavera.
Imensa profundeza de pensamento nas locuções
vulgares, buracos cavados por gerações de formigas.
Anedota do caçador sobre a íntima ligação
entre o amor e ferocidade.
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração desnudado.
Tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1981. p.13-14
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