terça-feira, 22 de dezembro de 2015

BEM, HOJE QUE ESTOU SÓ E POSSO VER

Fernando Pessoa (1888-1935)


Bem, hoje que estou só e posso ver 
Com o poder de ver do coração 
Quanto não sou, quanto não posso ser, 
Quanto, se o for, serei em vão,

Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém, 
E de mim mesmo, altivo, demitir-me 
Por não ter procedido bem.

Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz, 
Nem colhi nas urtigas dos meus dias 
A flor de parecer feliz.

Mas fica sempre porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem, 
A grande indiferença com que fico. 
Escrevo-o para o lembrar bem.

27-7-1931 
PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p.548

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