Prof.a
Inês Lacerda Araújo
Um
dos mais interessantes paradoxos da filosofia (tanto em sua longa história
quanto como matéria de estudo e reflexão) é que ela não tem nenhuma aplicação
imediata, por vezes é incompreendida, descartável e mesmo ridicularizada, e
nada disso impede, pelo contrário, estimula, a que filosofar e os filósofos
sejam imprescindíveis.
Como
interpretar essas duas atitudes antagônicas?
Em
sociedades tecnocráticas, de produção e consumo imediato de bens e serviços,
sendo inclusive a educação vista como um desses bens, é possível dispensar a
Filosofia devido a sua inutilidade. Ao mesmo tempo, essa mesma sociedade produz
um efeito inverso: para que servem todos esses bens e produtos? Eles satisfazem
e preenchem todos os aspectos e vicissitudes da vida? Basta trabalhar,
pesquisar, comprar e vender, cumprir horários e realizar tarefas? E isso quanto
à vida cotidiana.
E
as outras questões mais profundas e amplas, que não se restringem à economia, à
política, que partem para problemas como o da aplicação da justiça e dos
direitos humanos, como conciliar as relações entre poder público e vida
privada, liberdade e cidadania?
E
quando sociedades inteiras se mobilizam por meio da religião e consideram sua
crença como única, verdadeira e insubstituível, como ficam as demais doutrinas
religiosas? Qual é o valor, afinal, dessas crenças? Se elas respondem pelo
sentido do cosmo, pelo sentido da vida, se preenchem os anseios pela busca de
um bem supremo, de um ser superior, se suprem as necessidades espirituais, como
ainda assim a filosofia permanece viva e atuante?
A
necessidade da filosofia é inerente à capacidade racional de compreensão, de
indagação, de atenção e cuidado pelo que é básico e fundamental. O que funda, o
que fundamenta nossa capacidade de conhecer o que nos cerca e o que somos nós,
seres humanos? Como entender que o tempo nos constitui, tanto o tempo de todas
as coisas que nascem e morrem, como o tempo sem o qual não há memória, nem
apreensão das situações presentes, nem possibilidade de projetar, de planejar,
de imaginar o futuro e novas situações?
E
quando o tempo se transforma em puro acaso, quando ocorrências díspares
confluem e mudam inteiramente o fluxo de nossa existência? O que é causado e
pode ser dominado, e o que é fortuito e escapa ao nosso controle?
Nessas condições, é possível filosofar?! Note que a pergunta instiga a pensar justamente sobre a condição humana! |
Nessas
condições, é possível filosofar?! Note que a pergunta instiga a pensar
justamente sobre a condição humana!
Se
a ciência responde com leis da física sobre moléculas, átomos, teorias sobre o
início do universo; se a biologia responde sobre a origem da vida e sua
evolução; se a medicina avança e mapeia o cérebro e todo o corpo, previne e
controla doenças, prolonga e dá condições para saúde e bem-estar; enfim, se as
ciências controlam muitos fenômenos e os explicam, a filosofia ainda assim
persiste.
E
isso porque ela segue outro caminho. Seu campo de saber é o das avaliações, a
pergunta pelo sentido da vida, apreender todos os entes existentes por meio de
categorias e conceitos gerais, como: causalidade, totalidade, verdade, teoria,
matéria e forma, ideias, mente, tempo, eternidade, finito e infinito. Não se
prova e nem se comprova nada nessas digressões, nessas interpretações, nessas
valorações.
Elas
insistem e persistem porque ao pensamento não é dado não pensar.
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