Thiago de Mello
A fé não tem fundamento.
Cresce no oco do absurdo.
Prescinde de explicação.
Mas é o que funda a verdade.
Qual a verdade? Depende
da fé. Cada qual a sua.
O que vale é o seu poder
feito de tudo e de nada,
que te faz crer, inclusive
no teu sonho ou que o amor
pode acender as estrelas.
Tudo depende de fé.
Tanto a que funda o reinado
da perene paz radiosa
que te espera além da morte,
como a que move colinas
de dores e apaga a chama
da sarça dos dissabores.
De pura fé, acreditas
que pelo teu proceder
entre os homens deste vale,
livre do corpo, tua alma
volta à vida, em outra carne,
sem saber e padecer
de sina que desconhece.
Tudo depende de fé,
que difere da esperança
mas nunca te fere o amor.
(Foi a fé de minha Mãe
que lhe garantiu lugar
no seu Céu, desde mocinha)
Só de fé depende o amigo
para confiar no que digo.
E para confiar no dom
da bondade humana,
no triunfo do bem, por mais que doa,
e que o Cordeiro de Deus
morreu na cruz só para nos salvar.
Como de inconsútil fé
carece quem acredita
que a vida, a vida da vida
com todos os seus milagres,
vai se acabar inteirinha
no buraco que te espera,
a não ser que vires cinza,
doce adubo de begônias.
E vive em paz quem não crê
na vida eterna? Depende
do poder da sua fé
na sua própria descrença.
De intensa fé quem precisa
sou eu – e com são grandes
as estrelas da floresta! –
para confiar, sem tremer,
nestas palavras que escrevo
sobre a pele do meu rio.
A fé se funda na fé.
MELLO, Thiago de. Campo de Milagres. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p.85-87
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