domingo, 13 de outubro de 2013

SONHO DE VOAR

Armando Nogueira (1927-2010)


Voar é um milagre.
Que o digam os dois terços dos seres vivos aos quais a vontade divina concedeu tão abençoada graça. Por isso, considero todos eles autênticos rebentos dos céus.
Há quem veja no aviador um ser heroico. Pois eu vos digo do alto do meu ultraleve: nem heroico, nem épico. O homem que voa é, sobretudo, um ser utópico. Um ser místico. Milênios se esfumaram: os pássaros voando, os homens pastando, neste vale de lágrimas.
Voa a borboleta – asa de vitrais, no seu voo soluçante.
Voa a galinha – não sei bem pra que. Puro assanhamento.
Voa o bem-te-vi – benza-te Deus.
Voa a garça, branca, leve – branca de neve.
Voa a andorinha – prenda minha.
Voa o urubu, luto fechado, teu planeio te redime.
O mosquito voa, bichinho à-toa, também voa.
O vaga-lume também voa – vaga luz, navegando pela noite, sua noite intermitente.
Voa o morcego – nunca vi asas tão vis.
Voa a coruja – rasante maldição da meia-noite.
A gaivota voa – como invejo a tua dócil geometria.
Até o besouro... o besouro também voa, rastejando pelo espaço sua penosa aerodinâmica.
Graças à imaginação, o homem acabaria contemplado com o dom de voar. Um dia, alguém me perguntou porque gosto tanto de voar.
Devaneio puro.
Quem voa, sobrevoa.
Quem voa, sobreleva.
Quem voa é cúmplice dos ventos.
Quem voa busca no céu um lugar de onde Deus possa vê-lo melhor.
Quem voa perpassa as sete cores do arco-íris.
Quem voa reparte com os anjos a castidade azul do céu.
Quem voa é confidente das nuvens.
Quem voa sabe que a nuvem tem coração de mulher: beija e balança...
Quem voa sente o perfume das rosas-dos-ventos.
Quem voa é capaz de ouvir e entender estrelas.
Quem voa contempla, de perto, o instante em que o sol se cala.
Quem voa, quando pousa, está voltando da eternidade.
Só quem voa descobre o tamanho de Deus.

Troco duas pernas em bom estado de conservação por duas asas bem voadas.


Armando Nogueira era grande apaixonado por voar. Fundou no Rio de Janeiro o CEU (CENTRO ESPORTIVO DE ULTRALEVE), onde realizava inúmeros voos com o seu MARQUÊS DE XAPURI.

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