Prof.a Inês
Lacerda Araújo
As condições basilares da
escritura filosófica são a coerência, a consistência e a intenção de evitar
contradições. Daí o título indicar que a filosofia (e demais textos teóricos,
científicos, jornalísticos) são feridos de morte quando há neles incoerências,
inconsistências e contradições.
A incoerência decorre
muitas vezes do despreparo do autor, muitas vezes como que perdido em meio às
ideias e conceitos do filósofo abordado, do tema estudado ou de ambos.
A coerência reside
em indicar os propósitos e objetivos do texto ou do estudo, ir fundo neles,
explicitá-los para o leitor ou estudioso do assunto e/ou do filósofo. Se o
objeto de estudo for um filósofo, por exemplo, Platão, especificar o modo como
será abordado, quais diálogos, com que objetivo. Ser coerente implica em
formação intelectual, honestidade consigo e com o leitor, segurança, completude
nos raciocínios e argumentação. Ou seja, evita-se a repetição, a vagueza, as
frases longas e complicadas, os conceitos mal delineados.
Wittgenstein teria sido
incoerente com seus princípios e conceitos na passagem da lógica do Tractatus para
a linguagem cotidiana de Investigações Filosóficas?
Não! Ele permaneceu coerente com seu objetivo ao fazer filosofia: a busca da
base, da ponte, do que permite pensar, falar, compreender, verificar a verdade
ou não de enunciados, enfim como entender o funcionamento da relação entre
linguagem e realidade. Se fosse incoerente, não seria filósofo!
Quase nunca se discute a
necessidade da consistência,
tanto a dos textos a serem elaborados por alunos e pesquisadores na área da
filosofia, como o que representa a consistência no pensamento e nas doutrinas
dos filósofos. O texto se firma em pé ou desmorona a cada parágrafo? Contribui
para o exercício do raciocínio, da reflexão, há nele alguma argúcia, ou se
perde em minúcias inúteis ou generalidades vazias? O texto tem o que dizer,
renova pelo menos algum modo de ver, de interpretar? Traduz um tema ou autor de
modo interessante e instigante? Ou é morno, raso, terminada a leitura nada
fica, nada se modifica em nossas visões? É enriquecedor ou pobre? Diz a que
veio ou se arrasta cansativamente?
Mesmo difíceis, os filósofos
todos produzem reflexões consistentes, por vezes pesadas. A superficialidade e
os artifícios ficam longe da filosofia. O famoso ditado de Sócrates "Só
sei que nada sei" é a um só tempo revelação, renúncia, absolutamente
consistente com sua meta, a de aprender sempre e de ensinar, a "douta
ignorância" que permite ao filósofo reiniciar, sempre.
Contradizer-se é ainda mais grave:
afirmar algo e em seguida negar, basear-se no conceito X e mais adiante
considerar esse mesmo conceito como inválido. Por vezes, na mesma sentença
declara-se que, por exemplo, é possível obter verdade, mas que a verdade é
impossível!
Quanto à contradição há um
problema extra: os dialéticos a têm como fundamental. Ser e não ser na
transformação e evolução histórica, assim como ontologicamente, se determinam
mutuamente, um depende do outro para haver mudança, devir ou vir a ser. Mas não
é disso que se trata quando se diz que o filósofo e a filosofia não podem ser
contraditórios. O que fazer diante de duas afirmações contraditórias?
Contradizer-se impede a argumentação, defender ideias e ideais, chegar a
conclusões, "fechar" um raciocínio. Impossível defender a tese de que
o cogito, o "eu penso" é fundamental e negar o poder do pensamento
individual. Se Descartes assim o tivesse feito, não seria filósofo.
Isso não significa ser
possível e desejável olhar e interpretar as várias facetas do que está sendo
investigado. Se A, então... tal. Se B, então...tal. Isso não é contraditório,
amplia as razões para se refletir e fazer filosofia.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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