segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A MORTE DA FILOSOFIA: INCOERÊNCIA, INCONSISTÊNCIA, CONTRADIÇÃO

Prof.a Inês Lacerda Araújo


As condições basilares da escritura filosófica são a coerência, a consistência e a intenção de evitar contradições. Daí o título indicar que a filosofia (e demais textos teóricos, científicos, jornalísticos) são feridos de morte quando há neles incoerências, inconsistências e contradições.

A incoerência decorre muitas vezes do despreparo do autor, muitas vezes como que perdido em meio às ideias e conceitos do filósofo abordado, do tema estudado ou de ambos.

A coerência reside em indicar os propósitos e objetivos do texto ou do estudo, ir fundo neles, explicitá-los para o leitor ou estudioso do assunto e/ou do filósofo. Se o objeto de estudo for um filósofo, por exemplo, Platão, especificar o modo como será abordado, quais diálogos, com que objetivo. Ser coerente implica em formação intelectual, honestidade consigo e com o leitor, segurança, completude nos raciocínios e argumentação. Ou seja, evita-se a repetição, a vagueza, as frases longas e complicadas, os conceitos mal delineados.

Wittgenstein teria sido incoerente com seus princípios e conceitos na passagem da lógica do Tractatus para a linguagem cotidiana de Investigações Filosóficas? Não! Ele permaneceu coerente com seu objetivo ao fazer filosofia: a busca da base, da ponte, do que permite pensar, falar, compreender, verificar a verdade ou não de enunciados, enfim como entender o funcionamento da relação entre linguagem e realidade. Se fosse incoerente, não seria filósofo!

Quase nunca se discute a necessidade da consistência, tanto a dos textos a serem elaborados por alunos e pesquisadores na área da filosofia, como o que representa a consistência no pensamento e nas doutrinas dos filósofos. O texto se firma em pé ou desmorona a cada parágrafo? Contribui para o exercício do raciocínio, da reflexão, há nele alguma argúcia, ou se perde em minúcias inúteis ou generalidades vazias? O texto tem o que dizer, renova pelo menos algum modo de ver, de interpretar? Traduz um tema ou autor de modo interessante e instigante? Ou é morno, raso, terminada a leitura nada fica, nada se modifica em nossas visões? É enriquecedor ou pobre? Diz a que veio ou se arrasta cansativamente?

Mesmo difíceis, os filósofos todos produzem reflexões consistentes, por vezes pesadas. A superficialidade e os artifícios ficam longe da filosofia. O famoso ditado de Sócrates "Só sei que nada sei" é a um só tempo revelação, renúncia, absolutamente consistente com sua meta, a de aprender sempre e de ensinar, a "douta ignorância" que permite ao filósofo reiniciar, sempre.

Contradizer-se é ainda mais grave: afirmar algo e em seguida negar, basear-se no conceito X e mais adiante considerar esse mesmo conceito como inválido. Por vezes, na mesma sentença declara-se que, por exemplo, é possível obter verdade, mas que a verdade é impossível! 

Quanto à contradição há um problema extra: os dialéticos a têm como fundamental. Ser e não ser na transformação e evolução histórica, assim como ontologicamente, se determinam mutuamente, um depende do outro para haver mudança, devir ou vir a ser. Mas não é disso que se trata quando se diz que o filósofo e a filosofia não podem ser contraditórios. O que fazer diante de duas afirmações contraditórias? Contradizer-se impede a argumentação, defender ideias e ideais, chegar a conclusões, "fechar" um raciocínio. Impossível defender a tese de que o cogito, o "eu penso" é fundamental e negar o poder do pensamento individual. Se Descartes assim o tivesse feito, não seria filósofo.

Isso não significa ser possível e desejável olhar e interpretar as várias facetas do que está sendo investigado. Se A, então... tal. Se B, então...tal. Isso não é contraditório, amplia as razões para se refletir e fazer filosofia.


INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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