Prof.a
Inês Lacerda Araújo
Nas
preleções de Heidegger sobre Nietzsche, na Universidade de Freiburg, entre
1936-1940 (Vol. I Nietzsche, editora Forense Universitária, trad. de Marco
Antonio Casanova, 2010, 510 páginas) aprende-se muito não só sobre Nietzsche,
mas também sobre metafísica, história da filosofia e as próprias teses
heideggerianas.
O
ponto central é a pergunta da metafísica, feita há muito pelo pensamento grego,
"o que é o ente?" Para Heráclito, o ser do ente, isto é, para os
entes (ente é tudo o que há, exceto o nada) serem, o que os faz existirem de
certo modo, seu ser, é o devir. A causa primeira é o devir. Para
Parmênides o ser dos entes vem de sua permanência.
Heidegger
mostra que Nietzsche pergunta também sobre a totalidade, mas extrai essa
questão da própria história da filosofia; a ele interessam os percursos do
pensamento, inclusive o devir e a permanência do ser, que ele absorve. Mas
rejeita o platonismo que permeou todo o pensamento ocidental. Para o
platonismo, os entes se constituem de ideias, que são ideais como o nome
indica, de outro mundo, não do nosso mundo sensível. Assim ficou postulada a
existência de um além perfeito e difícil de alcançar e concomitantemente a
noção de que o mundo em que nos movemos é falho e imperfeito.
Nietzsche
considera que a inversão do
platonismo valoriza a vida em um
sentido amplo (entes animados e inanimados, orgânicos e inorgânicos), e vida
para ser valorizada requer novas perspectivas, novos valores. Onde encontrá-los
e como modificá-los?
Na vontade de poder, pela força (não física e nem moral) do devir, do
retornar sempre, do encontro entre passado que já não é, e futuro que vem a ser.
O ente na totalidade é eterno
retorno do mesmo. O encontro de
passado e futuro se dá no instante, nele o tempo é como que "agarrado". Daí a
força, que nega a conciliação final e resiste na luta permanente, nos eternos
elos da corrente do tempo. Todo ente que é, é vontade de poder. Existe por ter
lutado, resistido; impulso, paixão, sentimento caracterizam a vida, que por
isso é vontade de poder, mais que razão e lógica.
Aquele
que pode produzir é o artista, o sentido disso para Nietzsche vai além da produção
de obras de arte propriamente ditas. Isso porque o ente se faz, se produz, cria. A arte combate o niilismo entendido como anulação
dos valores que promovem vida e renovação. Na história ocidental tem
prevalecido o niilismo, a negação da vida, da embriaguez de viver, da
plenitude; a doutrina do eterno retorno traz ao ente abertura, audácia, risco e
não aceitação passiva de considerar que, como tudo volta, não preciso fazer
nada.
Esse
lado estético caminha pari
passu com a metafísica, esta
entendida como a pergunta que o filósofo faz acerca do que determina o ser dos
entes. E a metafísica de Nietzsche, sustenta Heidegger, é o eterno retorno do
mesmo.
Esse "pensamento pesado"
ocorreu a Nietzsche na solidão, na compreensão de que abismo pressupõe altura,
que na luz do meio-dia, sem sombras, tudo retorna, as coisas são finitas e
voltam eternamente. A força finita reside no instante, se fosse infinita, não
teria do que extrair força. Só se extrai força, vida, de coisas finitas nesse
devir constante.
Portanto, a
pergunta metafísica fundamental pela totalidade dos entes, como eles se
perpetuam, seu modo de ser, é o eterno retorno, a totalidade do mundo é caos
(nada a ver com teorias científicas). E para haver e terem sentido o tempo, a
vida, o instante, é preciso o homem. Este deve ser pensado a partir do mundo e
o mundo a partir do homem. É preciso partir de um canto, de um lugar, e não há
como perguntar sem a linguagem, que é humana. Desse modo, o que pertence ao
homem o leva para além do homem.
É
como se Nietzsche tivesse proposto um pensar difícil em lugar de pensar na
resposta pronta de um mundo platônico, ou em uma causa inicial ou final para
todos os entes.
Sem
causa primeira nem final, tudo vem a ser eternamente. A enigmática doutrina do
eterno retorno foi o difícil pensamento que ocorreu a Nietzsche, aceitar e amar
a vida, aceitar isso que ocorre basta.
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