sábado, 19 de outubro de 2013

Série HISTÓRIA QUE O ACRE ESCREVEU

CABRA ZÉ DE AQUINO

José Augusto de Castro e Costa


Naquela carcaça habitava  uma alma mui querida, prestativa, bem humorada e espirituosa.

Paradoxalmente – porque, havia alguns anos, o Zé de Aquino interrompera a vida de um desafeto, “em defesa da honra”. Cumprira dezessete longos anos, preso na Colônia Penal, período em que, para driblar a ociosidade natural dos presídios, ocupou-se em manufaturar a produção de colchões.

Entrava ano e saía ano, e lá estava o Zé de Aquino enchendo aqueles sacões com capim e algodão bravo.

Ao encontrar-se absolvido, fora exercer, de fato, a atividade aprendida, e há quem o relacione como um dos primeiros industriais do Acre, prestando atendimento tanto o quanto podia, num pequenino atacado, ou  no varejo, ou ainda, sob encomenda.

Dito assim, até parece que o Cabra Zé de Aquino não tinha tempo para mais nada, além das confecções dos afamados colchões. Tinha, sim, mesmo porque o Acre daquela época, por já possuir uma atividade comercial um tanto quanto intensa, para a demanda local, principalmente no tocante a cama, mesa e banho, produtos importados de Manaus e Belém, dificultava o mínimo de atribuições competitivas  de qualquer  pequeno comércio elementar. 

O produto “fabricado” pelo Cabra Zé de Aquino, porém, tinha como destino as classes menos favorecidas, sobretudo àquelas pessoas que habitavam as Colônias Agrícolas e  os seringais próximos a Rio Branco.

Os principais lazeres em Rio Branco estavam no futebol, nas retretas da Banda de Música e nos papos regados à uma “lourinha suada”, no Bar Municipal.

O maior lazer do Zé de Aquino, no entanto, era curtir um baralho com os amigos, na arquibancada do Estádio José de Melo, quase todas as tardes da semana, enquanto algum time reservava o campo, para efetivar treinos técnicos e táticos.

Ali sempre encontrava-se o Cabra Zé de Aquino  a desafiar alguém interessado, e não raras as vezes saía vencedor, habilidoso que era, em termos de carteado.

Os participantes daquele passatempo eram, na maioria das vezes, pessoas da vizinhança do estádio, principalmente da Capoeira, comunidade conhecida como berço de personagens esportivas, como Touca, Bararú, Antonio Leór (Leco-Leco), Guimarães, Tião Macaco, Zezinho Pestana Branca, Caio, músicos e ritmistas como Balaléu, Junot Hortêncio, Paulo Barbosa Bararú e outros vizinhos mais próximos, ainda, como Elizaldo, Evaldo, Guinaldo, Babá, Piituca, Tiãozinho, Colorau, Stélio, Dimiro, Teco, Renízio, Hipérides (Nega-Nega),  Luis Jacaré Borói, Pichico, São(Sandorval), Zé Augusto Falado, Keler, Sarará, Pitôco, Zezé Coriolando, Mão...
As tardes de treinos no “Campo do Rio Branco”, denominação popular do Estádio José de Melo, eram, na verdade, bastante concorridas, fosse qual fosse o time que estivesse treinando: Rio Branco, ou Independência, ou América, ou Vasco, era comum a presença de um certo número de pessoas. O Atlético Acreano não se contava, pois  tinha seu campo próprio – o Triângulo, no 2º Distrito, para treinar.

E na Arquibancada, sempre encontrava-se um grupinho disputando um Buraco, ou Vinte e Um, ou Canastra, ou até Truco. Lá estava o Cabra Zé de Aquino, com mais dois ou três companheiros, com assistência, inclusive, de alguns craques, como Zé Cláudio, Cidico, Cloter (Touca), Buá, Leór, Curitiba e outros.

Na maioria das vezes a disputa lhe era favorável, porém, algo passara a incomodar-lhe, de maneira estranha. Começara a surgir uma certa suspeita. Sempre que o Cabra Zé de Aquino disputava com o Tião Macaco e o Lula do Botafogo, a sorte virava-lhe. Principalmente quando estes formavam dupla.

Tião Macaco,que ganhara o apelido dado à sua elasticidade na prática dos saltos que efetuava nos jogos, era um  tipo vistoso, louro, alto, colecionador de inúmeras amizades, pelo seu espírito solidário, aficionado por bola, destacando-se no vôlei, no basquete, ao lado de Sena, Amédio, José Carneiro, Kyoca, Cauhí, Mario Lamas, Pedrito, Eugênio Mansour, e ainda no futebol, como goleiro do Rio Branco, quando substituiu Pedrito, que mudara-se com a família para o Rio de Janeiro.

A suspeita de Zé de Aquino, porém, fora-se avolumando e, para dirimir qualquer dúvida,  arquitetou o plano de não mais aceitar aqueles amigos em dupla, por algumas partidas.

Suas vitórias voltaram a acontecer como dantes. Concluiu que a suspeita tinha fundamento, porém, a título de confirmação, Zé de Aquino concordou com o retorno dos dois.

Tião Macaco e Sula do Botafogo voltaram a armar as suas artimanhas, porém somente foram descobertos depois da terceira partida, quando Cabra Zé de Aquino, afinal, flagrou o surrupio da dupla (que sempre carregava uma carta na manga).

Foi um verdadeiro deus-nos-acuda, quando Zé de Aquino, depois de espalhar desordenadamente todas as cartas, saiu correndo atrás dos dois que, saltando quase três metros de altura da arquibancada, dispersaram-se mais que de repente no rumo do Cacimbão da Capoeira e adjacências.

O perigo era a possibilidade de o Cabra andar armado, uma vez que na época era perfeitamente normal o uso particular de armas.

Aquela pode-se dizer que foi uma cena que teria “sido trágica se não fosse cômica”, deixando nos dois protagonistas, ou coadjuvantes, uma verdadeira sensação de pavor – um síndrome do pânico!

Só de lembrar do passado do Cabra Zé de Aquino, o Tião Macaco e o Lula do Botafogo portavam-se de preocupação e receio em voltar ao campo do Rio Branco, ou deparar-se com o desafeto.

E demorou um pouco para essa preocupação acabar. O próprio time do Rio Branco, com Guimarães, Orsetti, Bararú, Alício, Zé Cláudio, Valdo, Erié, Dudu, Arigó, Edson Urubu e Elinho, além de Cidico, Caetano, Onofre e Pipira, em conjunto ou individualmente, encarregara-se de acalmar o Cabra Zé de Aquino e trazê-lo novamente às boas.

Felizmente, algum tempo depois as coisas amenizaram-se, os ânimos serenaram e a convivência dos frequentadores dos treinos no campo do Rio Branco voltara a reinar com seu peculiar  romantismo, recheado de pilhérias, piadas, boatos, mexericos e astúcias.

Anos depois, Tião Macaco também transferira-se para o Rio, a fim de continuar os estudos, vindo a graduar-se na Escola Nacional de Educação Física, fato que o levou a exercer a atividade de Preparador Físico do Fluminense Futebol Clube e, consequentemente, da Seleção Brasileira, na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, sob o comando técnico do Cap. Cláudio Coutinho, quando o Brasil, em 3º lugar, foi considerado “campeão moral”, em vista da graciosidade do goleiro Quiroga, argentino naturalizado peruano, em levar seis gols da Argentina.


* José Augusto de Castro e Costa é cronista acreano. Reside em Brasília. Neste blog, já escreveu a série Brasileiro por opção, e agora escreve outra série intitulada HISTÓRIA QUE O ACRE ESCREVEU.

> Leia aqui outros textos de José Augusto de Castro e Costa.

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