Inês Lacerda Araújo
Quem leu a postagem anterior, talvez tenha concluído que seria impossível falar de alma e espírito,
se eles não existissem. Faz sentido atribuir qualidades como imortalidade,
espiritualidade, invisibilidade, capacidade de pensar, de isolar-se no íntimo de
seu eu, sem que haja tais entes, quer dizer, algo em si ao qual podem ser
atribuídas a existência, a subsistência, a temporalidade, e outras categorias?
É preciso levar em conta
duas possibilidades:
A primeira possibilidade,
considerar que a resposta à pergunta "o que existe?" é: entidades com
a capacidade ontológica de ser, de existir ou de subsistir são uma resposta
evidente e imediata a essa pergunta. Espírito/alma existem, mas não do mesmo
modo que uma mesa existe, que corpos de um modo geral existem. A natureza dessa
existência seria a espiritual, incorpórea. Prova disso: somos seres pensantes,
nosso espírito subsiste nas ideias, imaginação, vida interior, pensamento.
Difere do corpo, portanto, também difere do cérebro e de suas complexas
engrenagens. Descartes defendeu essa visão dualista do homem.
A segunda possibilidade: o
sentido ontológico de alma/espírito é atribuível a facetas, a características
da cultura humana, às ações, às situações desde as mais corriqueiras, até os
ritos mais secretos, às celebrações mais solenes. Exemplos de atos de fala com
emprego contextual compreensível e que não levantam problemas ontológicos, isto
é, perguntas sobre se se trata de espírito "mesmo" e como é
sua natureza, imaterial, pessoal, imortal, etc.
"Pedro é uma pessoa
boa, tem um espírito conciliador"
"O Espírito dos povos evolui e se aperfeiçoa"
"Pobres almas inocentes dessas crianças que morreram
nos bombardeios da Síria"
"Um raio de luz me
transpassa a alma: não é à
multidão que Zaratustra deve falar, mas a companheiros!" (Nietzsche).
"Espíritos elevados constroem um mundo
melhor".
E inúmeros empregos dos
termos, como "parece uma alma penada" sobre o aspecto lúgubre de
alguém; "espírito de corpo", para corporativismo, e "espírito de
porco" em um xingamento; e tantas outras de nosso uso diário, por vezes na
poesia, na literatura, nos ditos populares.
Assim, há os que creem na
alma como uma entidade pelo menos subsistente cuja natureza difere radicalmente
da corpórea, e aqueles que partem de outro pressuposto, o da vida humana
inserida em uma cultura, com seus signos, linguagem, atos de fala, jogos de
linguagem, símbolos. Estes últimos não precisam elucubrar, apenas ver o que e
como ocorrem as situações em que faz perfeitamente sentido se expressar com
termos que se referem às capacidades de pensar, refletir, falar, dar sentido ao
mundo, comunicar, decifrar, inventar, imaginar, e tantas outras.
Como resolver a seguinte
questão, para os adeptos da primeira possibilidade. Sentir prazer ou dor é
corporal ou espiritual? A dor física e a dor moral, a dor de uma perda, em que
diferem? Valores morais pertencem ao corpo ou ao espírito?
Ou essa outra, para os
adeptos da segunda possibilidade: depressão (doença inventada/diagnosticada
pela psiquiatria) é física, cerebral, mental, espiritual, cultural, genética,
inclassificável em um só gênero?
E mais essa: por que faz muito mais sentido
dizer "força de vontade" do que "força de espírito"?
Quero dizer uma coisa aos que
menosprezam o corpo: desprezam aquilo a que devem sua estima. Quem criou a
estima e o desprezo, o valor e a vontade? O próprio ser criador criou sua
estima e seu desprezo, criou sua alegria e sua dor. O corpo criador criou para
si mesmo o espírito como procedência de sua vontade (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra).
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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