Monumento à Galvez em frente a Assembleia Legislativa do Acre. |
Luis Gálvez Rodríguez de Arias. Assim
chamava-se o espanhol que, em 14 de julho de 1899, havia criado e proclamado,
em plena selva amazônica, o Estado Independente do Acre, que resistiu pouco
menos de um ano. Galvez não só declarou uma República como do nada construiu um
estado progressista, com leis próprias, ministérios, educação pública,
exército, polícia, correios e bombeiros.
A literatura por sua vez sempre apresentou
Galvez num estereótipo de aventureiro, fanfarrão e mulherengo, não inverossímel
de todo. O exemplo clássico é o mundialmente conhecido e celebrado “Galvez:
Imperador do Acre” (1976) do amazonense Márcio Souza. Já nas primeiras páginas,
em tom satírico e humorístico, o amazonense anuncia sardonicamente a vida e a
prodigiosa aventura de Dom Luis Galvez nas fabulosas capitais amazônicas e a
burlesca conquista do território acreano.
Verdade é que Galvez nunca fora um modelo de
referência moral, galanteador que era. Assim como é verdade que o Acre o
modificou profundamente, ao ponto do ex-sócio de cabaré se transformar num
presidente justo, honesto e respeitado não pela força dos winchesters, mas,
ironicamente, por sua conduta moral. Por algum tempo estive a procura de outras
referências acerca do fundador da república acreana. Parte significativa da
literatura aborda-o em segundo plano, o coadjuvante menor de uma história
maior.
Pouco tempo atrás chegou às minhas mãos “La
estrella solitaria”, presente de minha amiga Leila Jalul, escritora acreana
radicada na Bahia. O romance é de autoria do espanhol Alfonso Domingo, lançado
em 2003, em Sevilla. A obra foi agraciada com o VII Prêmio de Novela Ciudad de
Salamanca. Nela o autor faz um resgate histórico da figura de Luis Galvez, embora
se trate de um romance. A sua composição orienta-se por um forte rigor
histórico e viagens do escritor aos locais em que viveu o personagem, sendo 22
arquivos visitados na Espanha, Brasil, Argentina e Cuba, em sete anos de
pesquisa.
O romance abre a narrativa com Galvez, em
Manaus, deitado com a bailarina principal de um cabaré. Absorto, enquanto a luz
cálida dos trópicos invade o quarto, se perde no pensamento de que para ele
havia chegado a hora de fazer algo realmente importante: fortuna e sobretudo
fama. O ano era dezembro de 1898.
Naquele momento, sob o boom da borracha, que cobria 30% da renda brasileira, o deserto
empatanado havia se convertido num novo e movimentado centro cultural do mundo.
Ali era possível encontrar várias nações e vários idiomas a compor a Babel
amazônica. A cosmopolita Manaus era uma metrópole com cinquenta mil habitantes
vestidos à moda europeia. Um lugar criado para esquecer as asperezas da selva.
Refúgio dos barões da borracha, com suas mansões senhoriais, seus parques e
suas fontes barrocas. Aquela cidade tinha um sonho. Porque se à selva devia sua
fama e sua fortuna, seu coração não lhe pertencia: estava além do imenso rio
que a comunicava com o Atlântico.
Graças a suas reservas, que pareciam inesgotáveis, o Acre se ergueu como o Eldorado da borracha, e Manaus e Belém, seus guardiões. A capital do Amazonas, ironicamente, se tornou o que era pelo o que no fundo odiava: a selva, o rio, o sangue das árvores.
Graças a suas reservas, que pareciam inesgotáveis, o Acre se ergueu como o Eldorado da borracha, e Manaus e Belém, seus guardiões. A capital do Amazonas, ironicamente, se tornou o que era pelo o que no fundo odiava: a selva, o rio, o sangue das árvores.
Essa busca de aventura e fortuna atraiu Galvez
para a Amazônia, mas não sabia ele que isso o conduziria a maior empreitada de
sua vida, e mudaria todo o curso de sua existência. Tornaria-se a estrela
solitária que iluminaria os acreanos no caminho da nova república que queria
integrar-se na desejada pátria brasileira. Sonhou um Estado moderno e modélico,
com ordem, onde imperaria a lei numa sociedade de homens livres. Planejou um
estado de legislações avançadas que promovessem a agricultura e a indústria
para distanciar-se da pura extração de borracha. Já intuia muito antes que
qualquer outro que aquele ouro branco era também a perdição do Acre, como de
fato ocorrera: “o leite dava, o leite tirava”.
No nono mês de sua república no entanto, o sonho de Galvez havia chegado ao fim, deposto pela Marinha do governo brasileiro. Mas Acre e Galvez permaneceriam unidos para sempre. Ali havia dado o melhor de si mesmo. Uma estrela solitária, fugaz, cujo destino foi brilhar um dia para se perder logo no firmamento. Depois de sua empreitada acreana foi deportado para a Espanha, sua Cádiz. De lá, recuperado, foi para a Argentina, Buenos Aires, onde vivia seu amigo de vida e de aventura amazônica, Guillermo Uhthoff. Fez um breve retorno ao Brasil, e seguiu caminho para Cuba.
No nono mês de sua república no entanto, o sonho de Galvez havia chegado ao fim, deposto pela Marinha do governo brasileiro. Mas Acre e Galvez permaneceriam unidos para sempre. Ali havia dado o melhor de si mesmo. Uma estrela solitária, fugaz, cujo destino foi brilhar um dia para se perder logo no firmamento. Depois de sua empreitada acreana foi deportado para a Espanha, sua Cádiz. De lá, recuperado, foi para a Argentina, Buenos Aires, onde vivia seu amigo de vida e de aventura amazônica, Guillermo Uhthoff. Fez um breve retorno ao Brasil, e seguiu caminho para Cuba.
Única fotografia conservada de Luis Galvez antes de 1900. |
A novela de Alfonso Domingo, embora ainda sem
tradução em língua portuguesa, é um trabalho que merece ser conhecido, não só
pela qualidade literária, mas pelo resgate histórico da figura de Galvez,
esquecido e estereotipado por longos anos. A minissérie global, “Amazônia: de
Galvez a Chico Mendes”, da novelista acreana Glória Perez, muito se embebeu da
fonte do romancista espanhol, claramente perceptível em todo o tecido da trama
que envolve o presidente da república da goma.
REFERÊNCIA
DOMINGO, Alfonso. La estrella solitaria.
Sevilla: Algaida Editores, 2003.
* Veja também a entrevista com Alfonso Domingo feita por Altino Machado para o Blog da Amazônia.
** As ilustrações de Luis Galvez em seu gabinete e no Forte São Joaquim foram retiradas de TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
** As ilustrações de Luis Galvez em seu gabinete e no Forte São Joaquim foram retiradas de TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
3 comentários:
Parabéns! Um dos mais importantes destaques é o que vc faz alusão ao fato de que a guerra foi contra os EEUU, o que ainda necessita de incessantes esclarecimentos de que aquele humilde país estava sendo "usado" e "conduzido" a perder seus filhos por terras que o tornava ainda mais equidistante do oceano.
Parabéns, Isaac! O destaque de que a luta foi contra a cobiça dos EEUU é de suma importância, de vez que a Bolivia entrou nessa ingenuamente. Abrs
José Augusto
Amigo, eu bem sabia que você faria uma boa leitura do livro.
Um belo artigo, visse?
Leila Jalul
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